23 DE MAIO DE 2020
FLÁVIO TAVARES
O NOVO DITADOR
A quarentena gerada pela covid-19 leva a rever velhos filmes e, neles, encontrar a realidade atual. Assim ocorreu com O Grande Ditador, em que Chaplin antecipou o terror paranoico de Hitler em 1940, quando os crimes do nazismo ainda se escondiam.
A pandemia da época era o fanatismo antijudaico, que assassinou 6 milhões de pessoas. Mas o discurso final do filme (feito pelo barbeiro judeu que foge do campo de extermínio vestido de militar) critica a mesma arrogância vil que hoje tentam nos impor.
"A cobiça - diz num trecho - envenenou a alma dos homens, criou muralhas de ódio e nos faz marchar rumo à miséria e ao morticínio. Os desalmados sobem ao poder prometendo uma vida livre e bela num mundo novo, mas só mistificam e jamais cumprem o que prometem. Lutemos por um mundo em que a ciência e o progresso levem à ventura de todos".
Aqui, agora, quando a pandemia ataca a esmo, do alto do poder renegam a ciência e substituem o progresso pelo atraso. A ideia fixa de Bolsonaro de que a cloroquina é "solução" à covid-19 só tem paralelo no absurdo de entregar o Ministério da Saúde a um general de intendência, que (por melhor intenção que tenha) desconhece as artimanhas do contágio e da doença.
Ainda mais extravagante foi a exclamação do presidente em rede social: "A direita toma cloroquina, a esquerda toma tubaína", um refrigerante barato do Sudeste do país. É grosseiro e ridículo fazer da pandemia uma tosca "disputa ideológica", mas (no contagioso absurdo atual) Bolsonaro teve publicamente um adepto - nada menos do que Lula da Silva.
O ex-presidente "agradeceu à natureza por criar o coronavírus", pois - disse ele - assim se vê que saúde é assunto de Estado. Este torneio de crassa ignorância entre os dois personagens mostrará que - em política - somos prisioneiros do horror?
A tempestade da covid-19 interrompeu e mudou o fluxo da vida em todos os sentidos, como jamais ocorreu no mundo moderno. Ainda hoje, a ciência não sabe com exatidão se os vírus devem ser pesquisados como seres vivos ou como partículas inorgânicas. Vem daí um dos entraves à descoberta da vacina ou, até, do medicamento que imobilizaria o novo coronavírus.
Como fazer, porém, para que aqueles que se empoleiram no poder entendam que devem confiar nos mais aptos, naqueles que sabem que só a indagação e a pesquisa nos fazem encontrar caminhos na vida?
Fora disso, estaremos presos entre a cloroquina e a tubaína, e a ignorância será o grande ditador.
P.S. O arquiteto Milton Flores da Cunha Matos, que nos deixou dias atrás, foi o homem-núcleo da cultura e do debate político da Capital e do Estado nos anos 1960, ao fundar e manter o Teatro de Equipe. Por tudo o que foi em vida, sua morte deixa de luto o Rio Grande.
Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES
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