quinta-feira, 14 de maio de 2020


14 DE MAIO DE 2020
NÍLSON SOUZA

Sala de juntar letrinhas


Depois que passamos a nos comunicar à distância (sei que a crase é polêmica, senhor revisor, mas gostaria de mantê-la) por ligações de vídeo transmitidas diretamente de nossas casas, o cenário de fundo ganhou relevância e até vem causando alguns constrangimentos. Outro dia um coleguinha espanhol entrou ao vivo pelo YouTube e por trás dele passou uma mulher sem roupas que sequer era a sua companheira habitual. O homem deve estar se explicando até agora.

Mas o que mais tem chamado a atenção dos observadores é a estante de livros. Jornalistas, escritores, artistas e intelectuais de todos os calibres aparecem invariavelmente na frente de prateleiras repletas de volumes - paisagem que até já ganhou o apelido debochado de "intelectualidade casual". Virou, inclusive, meme. Um gaiato lançou nas redes sociais a oferta de um suporte de papelão com uma falsa estante de livros, como sendo apropriado para "atores, jornalistas e comediantes".

Minha pequena biblioteca, que também tem aparecido em algumas videoconferências de que participo por razões profissionais, é absolutamente verdadeira e não está ali por acaso. Como outras pessoas que trabalham em casa, costumo me posicionar na minha sala de juntar letrinhas, com o computador na frente e os livros no entorno. Eles, mais do que eu, são os habitantes permanentes do recinto. Se a imagem fosse ampliada, os observadores mais detalhistas perceberiam várias obras relacionadas ao meu ofício, entre as quais uma de 2003 que considero cada vez mais atual: Os Elementos do Jornalismo, dos norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel.

Foi elaborada em meio a uma crise de credibilidade da imprensa e pode ser resumida em nove princípios pétreos listados pelos autores: a primeira obrigação do jornalismo é com a verdade; sua primeira lealdade é com os cidadãos; sua essência é a disciplina da checagem; seus profissionais devem manter independência de quem estão cobrindo; deve funcionar como um monitor independente do poder; deve apresentar um fórum para a crítica pública e o compromisso; deve lutar para transformar o fato significativo em interessante e relevante; deve manter as notícias compreensíveis e equilibradas; seus praticantes devem ter liberdade para exercer sua consciência pessoal.

Juntaram bem as letrinhas esses meus inspirados colegas de ofício.

NÍLSON SOUZA

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