13 DE MAIO DE 2020
DAVID COIMBRA
Uma lembrança que teremos para sempre
Sempre penso em dois caras quando uso máscara: Peter Parker e Toni Stark. Como é que eles conseguem? As máscaras do Homem-Aranha e do Homem de Ferro não têm nem abertura para o nariz, tapam o rosto inteiro. Eu, nessas condições, não poderia ser super-herói, porque basta a máscara de papel para me dar aflição. Sinto dificuldades para respirar, suo em abundância e logo o rosto começa a pinicar.
Lembro dos filmes de faroeste. Quando eu era guri, havia muitos filmes de faroeste. A gente assistia ali no Cine Rey, na Volta do Guerino. Aliás, sei a data exata, dia, mês e ano, de um filme que vi no Cine Rey: 7 de setembro de 1972. Foi Independência ou Morte, com Tarcísio Meira interpretando Dom Pedro I. Eu tinha 10 anos de idade e levei minha irmã Silvia, com sete, e meu irmão Régis, com três, para assistirem ao filme comigo. Dez, sete e três anos de idade, flanando pela Assis Brasil com os cruzeirinhos dos ingressos no bolso. Ao andar com meus irmãos pela avenida, eu me sentia importante e livre. Longe dos adultos, podíamos fazer o que quiséssemos, mas essa decisão era minha, eu era responsável por eles. Achei que fui muito maduro naquele dia.
Já aos filmes de faroeste nós íamos em alegre bando, mais de 10 guris por vez, para desespero dos lanterninhas, pois fazíamos muita bagunça.
Sempre havia bandidos nesses filmes, obviamente, não dá para filmar faroeste sem bandido. E, na hora de atacar a diligência, o que os bandidos faziam? Cobriam-se com máscaras! Puxavam um lenço que usavam amarrado no pescoço e com ele tapavam meio rosto, ficando iguaizinhos a nós nesses tempos pandêmicos.
Concluí que não seria um bom assaltante de diligências, se vivesse no Velho Oeste. A máscara me deixa realmente agoniado. Vou ter que comprar uma daquelas de soldador, porque, sim, sei, temos de sair por aí protegidos. Nos recordaremos deste 2020 como o ano em que vivemos mascarados.
Meu filho, que hoje tem pouco mais idade do que eu tinha em 1972, cultivará, daqui a meio século, recordações precisas sobre este ano mascarado da peste. Eu aqui tenho lembranças claras de 72 porque houve incessante propaganda estatal a propósito dos 150 anos da independência do Brasil. O filme de Tarcísio Meira foi feito por isso. Funcionou. Tarcísio Meira foi um Dom Pedro I mais perfeito do que o próprio Dom Pedro I.
Foi tão forte a campanha publicitária, que a sesquipedal palavra sesquicentenário tornou-se popular. Lançaram um Hino do Sesquicentenário, cantado pela Ângela Maria, e a Seleção Brasileira disputou a Taça da Independência com outras 19 seleções. Pelé já havia se aposentado da canarinho, mas o Brasil tinha Rivellino e foi campeão.
Tudo isso ficou impresso na minha memória porque aquele foi um ano marcante. Imagine pois o que será 2020. Estamos passando por um ano que não passará: estará conosco para sempre. Fará parte das nossas vidas. Repare na nossa sorte: sabemos de antemão que há um pedaço de tempo que nos acompanhará pelo futuro afora. Isso nos dá a oportunidade coruscante de montar nossas próprias lembranças. Elas podem ser boas ou más, alegres ou tristes. Depende de você. Que tipo de lembranças de 2020 você construirá hoje?
DAVID COIMBRA
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