07
de dezembro de 2014 | N° 18006
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Coração duro de
roer
É
desaconselhável conviver com alguém logo depois de uma separação. As mulheres
têm razão.
Não
há condições de ser agradável, de ser sociável, de ser carinhoso.
Separado
não admite visitas por mais de uma hora que já começa a sofrer com flashbacks.
Só
consegue ser educado por uma hora. Depois disso, o desespero e a saudade tomam
conta dele.
O
que ele mais quer é ficar sozinho para poder se derramar. Reservar-se o direito
da antipatia das lágrimas.
Depois
que chora, até deseja chamar o convidado de volta, porém já é tarde.
Não
há dor maior do que a separação. Quando foi amor. Quando é amor. Aliás, os
tempos verbais se embaralham: ontem parece hoje, o amanhã parece ontem.
Impossível
determinar se ama ou amou, nada deixou de acontecer na pele.
Além
da falta de apetite e do desleixo característico, o separado alucina. Arca com
infinitas crises de ansiedade, de susto, de apreensão. É uma fissura
incontrolável: seu desejo é resolver a dor de qualquer jeito, e qualquer jeito
é voltando para sua ex de qualquer jeito.
Olha
para a janela como quem aguarda um ônibus. Encara a porta como quem espera um
trem. Está atrasado de si.
Aguenta
apagões consecutivos de consciência, como se estivesse sendo assaltado a cada
meia hora. O separado foi terrivelmente roubado, não descobriu ainda o que
levaram. Descobrirá pouco a pouco, dia a dia, despertar a despertar. Talvez
tenha sido latrocínio e ele seja um fantasma pela casa.
É
uma confusão mental entre o que foi e o que poderia ser. Ele lembra e imagina
simultaneamente, sem definição precisa das fronteiras. De vez em quando,
recorda uma experiência comovente a dois, uma conversa de cozinha, juras na
cama, vindas de um passado remoto; em outras, delira o que estaria fazendo
naquele instante, que palavras seriam ditas, qual música estariam ouvindo. Vive
uma avalanche intermitente de sensações antigas e novas com o mesmo peso,
incapaz de decifrar o que realmente é verdadeiro.
Isso
quando não apanha do lado turvo do relacionamento – as discussões, as
decepções, o choque de identidades –, coisas que não gostaria de ter enfrentado
e que não entende como não conseguiu remediar a ponto de salvar o casamento.
Tudo
o que conta aos amigos e familiares é o contrário do que sente. Reclama e
ofende sua companhia para se convencer de que decidiu acertadamente, mas o que
deseja é simplesmente receber o beijo e o abraço dela de volta. Inviabiliza, de
modo racional e inútil, as chances de reconciliação, entretanto é o que anseia.
Cria uma oposição desastrada para prevenir sua passionalidade.
Como
não pode ter o que quer, mendiga milagres. Posta frases e indiretas no Facebook
e no Twitter, ainda que ela esteja bloqueada, acreditando numa comunicação
sobrenatural.
Nem
trabalha, muito menos descansa. Reconstrói cenas de ciúme ou de redenção,
fraqueja com filmes, não consegue ler um livro, manter o foco, sua atenção
oscila para uma única obsessão: ligar ou não ligar, retornar ou se manter firme
no propósito de se distanciar.
O
separado é um doente. Deveria ser internado. Posto numa cama com soro. Sua
cabeça não dá trégua, porque enfrenta um impasse entre sua razão e sua emoção,
numa queda de braço que resulta sempre em fratura.
Está
com o osso fora do lugar. O coração é um osso agora. Duro de roer.
Se
fosse um cachorro, enterrava. Se fosse um cachorro, mas não é.
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