07
de dezembro de 2014 | N° 18006
ANTONIO
PRATA
Embarque
“Rodrigo?!”,
soltou a mulher, uns cinco metros adiante, olhando pra mim. Confuso, parei de
empurrar o carrinho de bagagem, olhei pra trás, olhei em volta, mas, antes que
eu terminasse a busca, ela insistiu: “Rodrigo!” – agora já não mais uma pergunta
e sim uma afirmação. Um vento frio soprou no meu estômago: senti como se
tivesse cruzado uma aduana invisível que separa o embarque de Congonhas de um
livro do Kafka.
Há,
sem dúvida, aspectos meus que desconheço; há, talvez, rincões de minh’alma que
nem com cinco décadas de análise conseguirei acessar, mas, depois de 37 anos
sobre a Terra, algo posso afirmar sobre mim, sem titubear: eu não me chamo
Rodrigo. A mulher, porém, não pensava assim – e, a se julgar pela voz trêmula,
pela boca cerrada e pela sobrancelha franzida, isso não era muito promissor.
Ela
aparentava uns 40, 50 anos, tinha um cabelo preto, farto e olhos espantados,
circundados por rugas profundas – vincos que, suspeitei, não deviam ser
totalmente desvinculados do tal Rodrigo. Havia dor e susto, ali, mas havia
afeto, também. Pensei menos num estelionatário que tivesse dando um golpe na
venda de um carro do que num namoro de fim catastrófico. Quem sabe, o Rodrigo
tinha prometido casar, ter filhos, passarem a aposentadoria juntos, num sítio e,
um belo dia, escafedeu-se? Agora, numa terça de manhã, assim, do nada, ela o
encontra – ou acha que o encontra – na sala de embarque do aeroporto. Dava
mesmo pra entender o choque – caso eu fosse o Rodrigo.
Como
eu não era – e continuo não sendo –, resolvi desfazer a confusão e fui
caminhando em direção à mulher. Quem sabe eu nem precisasse falar nada? Quem
sabe, bastaria ela me ver de perto pra sorrir, envergonhada, “Nossa, achei que...”,
“Tranquilo, acontece.”. Eu seguiria andando, atravessaria o corredor que separa
o Franz Kafka do Franz Café, compraria um pão de queijo e leria o meu jornal. A
um metro da mulher, no entanto: “Rodrigo...”
Se o
primeiro “Rodrigo?!” foi um “Meu Deus, é você?!” – e me deixou confuso –, se o
segundo “Rodrigo!” foi um “Sim, é você!” – e me deixou com medo – o terceiro “Rodrigo...”
tava mais pra um “Você, hein?” – que me encheu de culpa. O Rodrigo sem dúvida
havia pisado na bola, grandão, com aquela mulher, a havia feito sofrer, chorar,
espernear e esperar noites a fio: agora estava ali – ou, pelo menos, era o que
ela pensava – para receber o troco.
Fui
chegando perto, já pegando o RG para o caso de precisar desfazer, oficialmente,
o mal entendido, mas nem consegui sacar o documento: num salto, ela veio pra
cima de mim. Esperei unhadas, mordidas, uma facada, talvez. Em vez disso, me
deu um abraço e começou a chorar: “Rodrigo! Ah, Rodrigo!”. Fiquei ali por um
tempo, imóvel e perplexo, sentindo o cheiro, o calor e os tremeliques daquela
estranha.
Então ela se afastou, olhou pro chão, olhou pra mim e disse, baixinho:
“Rodrigo, você me perdoa?”. Olhei no fundo dos olhos dela e acabei, finalmente,
com aquele absurdo: “Perdoo.” Aos poucos, os soluços foram diminuindo, ela
enxugou as lágrimas, disse “Brigada” e, atendendo à última chamada para o
embarque do voo 1047, pra Maringá, sumiu pelo portão nove.
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