sexta-feira, 5 de setembro de 2014


05 de setembro de 2014 | N° 17913
DAVID COIMBRA

O menino e a árvore

Acho grave um homem não conhecer pássaros, não conhecer árvores. Pois não conheço. Qual a diferença entre a nogueira e o castanheiro? Entre a imbuia e a cerejeira? Não faço ideia. Em minha defesa, digo apenas que não se trata de doença urbanoide: também não conheço marcas de carros. Parei no Fusca, no Opala, no Corcel e na Brasília. Será esse um ponto positivo? A ignorância pode merecer elogio?

A verdade é que são muitas as coisas que não conheço e, embora não sinta falta de maiores informações sobre marca de carro, queria muito saber que árvore é essa que se espreguiça bem em frente à minha casa. É árvore grande, maior do que um edifício de sete andares, com o tronco largo como uma mesa de jantar e a copa frondosa, de folhas de forma e tamanho de mão espalmada que se curvam gentilmente sobre as casas e as pessoas pequenas lá embaixo.

Enxergo essa árvore da janela francesa que há na minha sala, uma janela de parede inteira, que, aberta, dá para uma sacada amena. Tomo mate às vezes nessa sacada, e penso, porque, como se diz no Alegrete, o mate ajuda o gaúcho a pensar.

Estes dias de fim de verão estão lindos, aqui na Nova Inglaterra. Hoje começam as aulas do B. Ele vai estudar de manhã, e em inglês, duas novidades. Estou ansioso para ver como se sairá.

Ontem, levantei-me cedo, ao nascer do sol. Saí do quarto de pé em pé, para não acordar a Marcinha, e ia fechar a porta do quarto do B, quando ele me viu, saltou da cama e, estremunhado, acompanhou-me até a sala.

– Ainda é cedo – disse-lhe, e ele murmurou, esfregando os olhos:

– Hoje é o último dia de férias?

Não respondi. Fui até o sofá esticado diante da janela, deitei-me de lado e, com a mão esquerda, bati no espaço que lhe deixei nas almofadas. Ele veio em silêncio, aninhou-se em meu braço e, em 30 segundos, adormeceu outra vez. Permaneci estirado, com a cabeça apoiada no braço do sofá, olhando para a grande árvore lá fora. Os esquilos corriam pelo tronco, pelos galhos. Tenho certeza de que no mínimo quatro esquilos moram naquela árvore. Será que dormem entre as folhas? Ou em buracos cavados no caule com seus dentões? É admirável como eles conseguem se equilibrar nos galhos mais finos.

A brisa da manhã balançava as folhas verde-escuras e me dava preguiça. Mas percebi que o B agora ressonava, afastei devagar sua cabeça do meu peito e, com todo cuidado, me levantei. Fui à cozinha e preparei o café. Voltei à sala com a xícara na mão, caminhei até a sacada e pus-me a olhar para a grande árvore a poucos metros de mim.


Olhava ora para as folhas que dançavam ao vento e ora para o menino que dormia. Do menino pequeno para a grande árvore, da grande árvore para o menino pequeno. Sorri. Do que mais precisava para me sentir feliz? Nada, nada. Salvo, talvez, saber que árvore é aquela, afinal.

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