03 de setembro de 2014 |
N° 17911
ENTREVISTA FRANCISCO
MARMOLEJO
“Para o Brasil ser relevante no mundo, precisa falar
inglês”.
Coordenador do Programa de
Educação Superior do Banco Mundial
Coordenador do Programa de
Educação Superior do Banco Mundial, o mexicano Francisco Marmolejo, 53 anos, há
duas décadas percorre países para captar boas práticas e influenciar as
universidades a se desenvolver científica, econômica e socialmente.
Doutor em Administração com foco
em agropecuária, Marmolejo participou da criação da Rede de Associações de
Educação Internacional (Niea), que reúne órgãos educativos e líderes das mais
importantes universidades internacionais, e integra a Associação Internacional
de Universidades (IAU), vinculada à Unesco. Ele esteve na PUCRS na semana
passada para debater a necessidade de inovação no Ensino Superior, em especial
quanto à internacionalização – considerada por ele, mais do que desejável,
necessária.
Ainda são poucas as aulas em
inglês dentro das universidades brasileiras, algo comum em outros países.
Começamos muito tarde a internacionalização?
É um pouco tarde para tentar
resolver uma deficiência persistente na aquisição de uma segunda língua. Não
basta a universidade esperar que, até essa idade, os estudantes dominem uma
segunda língua. A internacionalização permite aos alunos ter melhor
conhecimento de um mundo cada vez mais complexo, trabalhar em ambientes
multiculturais e fazer com que os futuros profissionais tenham mais apreciação
pelo próprio idioma e cultura.
Por que ensinar estudantes
universitários em outra língua é importante?
Não falar inglês é uma das
limitações para o país. Se você for ver exemplos de países que conseguiram
atrair mais estudantes internacionais, entenderá que eles decidiram ensinar,
além da língua local, também em inglês. Veja os casos da China e de muitos países
europeus. Até na América Latina você começa a ver isso. Para o Brasil ser
relevante no mundo, precisa falar inglês.
Aulas em inglês não acabam
segregando? São poucos os que dominam outro idioma.
Esse é um dos problemas. Creio
que o maior desafio é o fato de que apenas poucos brasileiros se beneficiam do
Ensino Superior, em português ou qualquer outra língua. Ao olharmos para os
dados, fica bem claro que o país tem todos os ingredientes para se tornar um
protagonista na economia global, mas sem a preparação adequada dos indivíduos,
essa possibilidade se torna muito mais difícil. Falar outra língua é uma boa
maneira de entender como as pessoas pensam, interagem, e assim se tornar um
cidadão global mais tolerante.
Essa medida não acarreta no risco
de mercantilização da educação?
Há uma série de riscos que a
educação internacional traz consigo. Entre eles está a mercantilização, o caso
indesejável de ver estudantes como “mais dinheiro”, o que acontece em vários
países. Os europeus, por exemplo, indicaram a necessidade de desenvolver regras
mais adequadas para zelar pelos direitos de estudantes internacionais como se
estivessem em casa. Outro risco significativo é de que, quanto mais
internacionais as instituições ficarem, mais elas terão a tendência de se
tornarem menos conectadas localmente.
O senhor salienta a necessidade
de aumentar o acesso ao Ensino Superior, mas o que é mais importante: qualidade
ou quantidade?
O que é mais relevante para o
Brasil? Pensemos na Universidade Harvard: qual seu mérito, quando há um grande
número de estudantes tentando entrar lá? Eles têm o luxo de pegar os melhores.
Em comparação, vejamos uma universidade de tamanho médio em um Estado mediano:
eles não pegam os melhores estudantes, mas aqueles que apresentam alguma deficiência
em sua educação anterior. Essa instituição pode estar ajudando mais os
estudantes do que aquela que tem o luxo de escolher. Então, qual é melhor? Tudo
é relativo. Qual mais contribui para as necessidades da sociedade e da
economia? Creio que ambas.
Programas como o Ciência sem
Fronteiras, que oferece bolsas para alunos estudarem fora do país, são válidos
para desenvolver a educação aqui dentro?
Estratégias como essas são boas,
mas não suficientes. Por quê? No melhor cenário, mesmo com todo o dinheiro do
mundo, elas poderiam beneficiar apenas um número muito pequeno de estudantes.
No caso brasileiro, ir de 1% para 3% de estudantes representa um grande
esforço, mas ainda estamos deixando 97% deles sem a oportunidade de ter essa
dimensão global em sua preparação.
Qual a receita para que o país
tenha mais relevância internacional quando se fala de Ensino Superior?
É preciso aumentar o acesso ao
Ensino Superior, para mais pessoas no país, especialmente aquelas que vêm de
setores desprivilegiados. Em segundo, ter certeza de que a educação seja muito
mais relevante, que os conteúdos oferecidos aos estudantes sejam mais
importantes, e que essa relevância se traduza no posicionamento do país de
maneira mais competitiva.
guilherme.justino@zerohora.com.br
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