15
de novembro de 2013 | N° 17615
ESTREIAS
Preconceito e orgulho
“Um
Bonde Chamado Desejo” inspira novo filme de Woody Allen, “Blue Jasmine”
Woody
Allen tentou com várias outras intérpretes, mas uma atuação como a de Cate
Blanchett em Blue Jasmine, que estreia hoje nos cinemas, ele não conseguia há pelo
menos uma dezena de filmes. Mérito da atriz australiana e também de sua personagem,
uma das mais interessantes que o cineasta construiu nas últimas décadas.
Blue
Jasmine, a despeito disso, não chega a ser arrebatador, como sugeriu parte da
crítica norte-americana, que se apressou em classificá-lo como o melhor Allen
desde Match Point (2005), insistindo em esquecer Tudo Pode Dar Certo (2009). Tanto
quanto este último (e quanto Poderosa Afrodite, de 1995), o novo filme se
constrói sobre a interação (bastante problemática) entre personagens de classes
sociais distintas.
Jasmine
(Blanchett) é uma Blanche DuBois contemporânea (a trama lembra muito Um Bonde
Chamado Desejo, clássica peça de Tennessee Williams). Socialite nova-iorquina
que se ocupava basicamente de futilidades, ela vê seu mundo ruir com a falência
financeira (seguida do suicídio) do marido, o investidor Hal (Alec Baldwin). Não
lhe sobram muitas opções a não ser voar até San Francisco e recomeçar ao lado
da irmã de criação, a empacotadora Ginger (Sally Hawkins), que é o que lhe
restou do que se pode chamar de família.
Enquanto
a protagonista toma contato com o universo de ambições medianas de Ginger, Blue
Jasmine patina. Uma aposta arriscada (e absolutamente bem-sucedida) de Allen
coloca o filme nos trilhos: a narrativa avança e volta no tempo, provocando o
espectador com meias-verdades que só vão se completar ali adiante. Ao desvendar
os bastidores da bancarrota, o roteiro do mestre vai revelando uma mulher ao
mesmo tempo culpada e inocente, vítima porém omissa, às vezes lúcida, noutras
tapada – e neurótica, para manter a tradição.
O
namorado bronco de Ginger, Chili (Bobby Cannavale), constitui a pior ponta da
estrutura dramática de Blue Jasmine: está resumido a um estereótipo e, pior,
sofre com a inevitável comparação com o Stanley Kowalski de Marlon Brando na
adaptação cinematográfica batizada no Brasil de Uma Rua Chamada Pecado (de Elia
Kazan, 1951). De todo o modo, o fundamental para mergulhar na complexidade de
Jasmine é acompanhar suas tortas tentativas de reinício, sobretudo com o bom
partido Dwight (Peter Sarsgaard). Admitir, para o rico pretendente, que sua
nova vida não tem mais o glamour de antes, revela-se um tormento para ela.
A
coerência nas ações e reações da personagem, mesmo em uma narrativa não linear
que dosa as informações moderadamente, é bem impressionante. E encontra
respaldo na evolução expressiva de Cate Blanchett ao longo da trama. As sequências
finais, que alternam closes em seu rosto cheio de histórias para contar com
travellings de um cômodo a outro na casa das irmãs, são dignas de uma antologia
alleniana.
Blue
Jasmine pode ser irregular, mas tem seus grandes momentos. E uma candidata em
potencial a vencer o Oscar de melhor atriz.
DANIEL
FEIX
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