
03 de novembro de 2013 |
N° 17603
O CÓDIGO DAVID | DAVID
COIMBRA
OS MORTOS FALAM
Dois de novembro é o Dia dos
Mortos. Sou um admirador da data. Porque um dia será a minha também, e a sua, e
a de todos nós, e porque há muito mais mortos do que vivos na história do homo
sapiens.
Somos 7 bilhões de seres humanos
respirantes debaixo do sol. Parece até demais, mas li outro dia que um
cientista calculou o número de pessoas que já existiram na Terra, desde que o
primeiro homem desceu das árvores: cerca de 107 bilhões. Claro, trata-se de um
número aproximado, ninguém tem como saber exatamente quantos fomos. Mas,
levando-se em conta essa estimativa, os mortos ganham de goleada. Viva os
mortos.
Life is very
short
Nós, como futuros mortos,
deveríamos dar mais atenção ao limitadíssimo tempo em que ainda não somos
mortos. Pegue, por exemplo, um morto antigo e ilustre: Júlio César. Ele nasceu
no ano 100 a.C. e morreu nos idos de março de 44 a.C. Isso significa que esteve
vivo por 56 anos e está morto há 2057 anos. No caso de Júlio César, a morte já
tem 2001 anos a mais do que a vida.
Logo, a vida tem de ser
muitíssimo valorizada, já que ela é escassa, e a morte, farta. Como ensinaram
os Beatles, a vida é muito curta para ficar perdendo tempo com brigas e
confusões, my friend. E, depois que o tempo passa, acontece exatamente isso:
ele passa, não volta mais. Um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio, já
dizia Heráclito.
Por tudo isso, penso com carinho
nesses mais de cem bilhões de seres humanos que tiveram seu tempo acima da
terra e abaixo do céu. Cem bilhões de pessoas diferentes, mas com tanto em
comum. Todos, tenho certeza, todos sentiram necessidade de amar e ser amados.
Mas quantos destes conseguiram ser cristalinos para satisfazer essa
necessidade? Quantos acharam que o mais importante era o poder, o dinheiro, a
glória ou o orgulho?
Cem bilhões de vidas. Ou, melhor,
cem bilhões de mortos. Se eles pudessem falar, o que diriam a nós, os 7 bilhões
que hoje ainda vivem? Provavelmente aconselhariam: não perca tempo em brigas e
confusões. Não perca tempo! Os Beatles sabiam das coisas.
A sorte do
beagle
Há uma condição sine qua non para
você morrer: você tem que ter estado vivo em algum momento. Ninguém morre sem
ter vivido um segundo que seja.
Uma única respiração ou o limite
do homem neste Vale de Lágrimas, segundo a Bíblia, que é de 120 anos, seja como
for, o certo é que há muitas maneiras de viver, só que basicamente duas de
morrer: de doença ou de acidente. Na categoria acidente incluo tiro, facada e
cofres que caem do oitavo andar. Na categoria doença, falência de órgãos e velhice.
No primeiro caso, o do acidente,
em geral a morte é rápida. O aço de uma bala perfura o coração, o sujeito fecha
os olhos e cai o pano. No segundo, o fim é, em geral, mais lento, com a
caridosa exceção de um ataque cardíaco fulminante. Então, a digamos, “morte
natural” quase sempre é pior do que a morte induzida.
O que me leva a pensar nos
beagles usados em experiências científicas e que tanta polêmica têm gerado.
Eles, como nós e todos os macacos, zebras, elefantes, lagartas, caracóis,
camarões e ornitorrincos, eles também morrerão um dia. Uma morte indolor e
assistida será a pior das mortes? Ou será uma morte generosa? Talvez seja uma
bênção ser um beagle de laboratório.
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