sábado, 10 de março de 2012



10 de março de 2012 | N° 17004
CLÁUDIA LAITANO


Cinquenta milhões em ação

Há mais pessoas no Facebook (1 bilhão de usuários em agosto, se as projeções se confirmarem) do que havia no planeta inteiro 200 anos atrás. Essa é a frase que abre o vídeo que se tornou um fenômeno na internet nos últimos dias, atingindo a impressionante marca de mais de 50 milhões de visitas desde segunda-feira, quando foi postado no YouTube pela primeira vez.

Kony 2012, o documentário mais comentado da semana, é a peça de propaganda mais bem-sucedida da ONG Crianças Invisíveis, fundada por três jovens cineastas americanos que abraçaram a causa dos meninos de Uganda sequestrados e usados como soldados pelo sanguinário líder rebelde Joseph Kony.

O filme conta a história da ONG e de suas conquistas até aqui e lança um desafio: transformar a prisão de Kony em uma cruzada mundial, promovida não apenas pelos governos das grandes potências, que pouco ou nada se interessam pelo que acontece nos confins da África, mas pelos cidadãos de boa vontade (e banda larga) do mundo inteiro.

Narrado com estética hollywoodiana, linguagem publicitária e apelo explícito à emoção, o vídeo de 28 minutos tornou-se um rápido fenômeno de audiência, provando – contra todas as evidências em contrário – que a multidão que assiste a mais de 3 bilhões de vídeos por dia na internet não se interessa apenas por gatinhos que tocam piano e bebês que dão gargalhadas.

Com a mesma rapidez do sucesso, porém, vieram as críticas: a ONG estava manipulando a emoção do público para arrecadar dinheiro, Uganda tem outros problemas ainda mais graves do que esse para resolver, Kony e seu exército macabro já não têm a mesma força de antes, mobilizações pela internet nunca dão em nada... Um blog do jornal britânico The Guardian chegou a criar um “minuto a minuto” com opiniões contra e a favor que chegavam de todos os cantos do planeta.

Boa parte dos comentários a respeito do vídeo poderia ser dividida, grosso modo, em basicamente duas categorias: cínicos e ingênuos. De um lado os que desconfiam de tudo, adivinhando motivações ocultas em cada gesto aparentemente generoso e desprendido, convencidos de que a natureza humana é essencialmente egoísta e interesseira. Do outro, os que sem dificuldade se deixam levar pela emoção e preferem acreditar nas boas intenções a desconfiar delas.

Nada mais previsível: a maioria das pessoas é dominada por uma dessas duas inclinações de caráter, o cinismo ou a ingenuidade. Dos dois lados há gênios e tolos, mas é muito mais fácil associar inteligência a quem se coloca na posição de negação. Dos dois lados há pessoas engajadas em grandes causas, mas é muito mais fácil associar a capacidade de engajamento e ação a quem consegue ser ingênuo o suficiente a ponto de acreditar que pode fazer diferença.

Acreditando ou não em iniciativas como Kony 2012, o fato é que 50 milhões de pessoas falando sobre um mesmo assunto durante uma semana – superficialmente ou com a seriedade de quem é capaz de traduzir uma mobilização virtual em ação concreta – representam uma fonte de energia acumulada que ninguém sabe exatamente como e para que poderá ser usada no futuro.

Como se estivéssemos diante de uma gigantesca queda d’água, mas ainda não tivéssemos inventado a energia elétrica

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