quarta-feira, 7 de março de 2012



07 de março de 2012 | N° 17001
PAULO SANT’ANA


A dor física

Ontem foi dia de ir à dentista. Uma semana antes de ter de ir à dentista, eu já começo a sofrer.

Eu já ensinei aos psiquiatras locais que o pessimismo é uma doença, embora a Organização Mundial da Saúde não o catalogue como tal.

Pessimismo é exatamente a mesma coisa que covardia.

Foi por isso que o maior gênio da humanidade, Shakespeare, disse que os covardes morrem mil vezes antes de morrer.

Explica-se, então, que eu comece a sofrer uma semana antes de ter de ir à dentista.

Decidi que a dentista não mexe em nenhum dente da minha boca sem anestesiá-lo. Ainda assim, com anestesia, tenho um medo pânico da dentista.

Por sinal, estou por decidir que ninguém mexerá em qualquer parte do meu corpo sem anestesia.

Sendo assim, a manicure terá de anestesiar meus dedos. A podóloga terá de anestesiar meus pés, inclusive as unhas. E nem sei como é que há 40 anos os otorrinos limpam meus ouvidos sem anestesia.

Por que o covarde morre mil vezes antes de morrer? Porque ontem eu fui à dentista, onde fiquei por duas horas e meia fazendo uma restauração (antigamente se chamava obturação). Não senti nenhuma dor. Mas senti duas horas e meia de pavor, um medo terrível, talvez tão devastador quanto a própria dor.

Há covardes no enfrentamento com a dor física que suportam melhor a dor moral. Eles perdem a mãe, perdem um filho, mas isso lhes dói menos do que arrancar um dente.

Eu confio mais na palavra de um assaltante que na palavra da dentista. Ela me afirma diversas vezes: “Não vai doer”. E eu não acredito nela. A palavra da dentista não me vale um tostão furado.

Como não vai doer, se dói?

Sendo assim, não posso assistir a filmes em que há sessões de tortura.

Quando assisti ao filme Paixão de Cristo, no momento em que o Nazareno subia ao Calvário, saí do cinema para não ver a carnificina.

Quando vi o filme Joana D’Arc, também saí do cinema quando foram queimar a santa num fogueira.

Percebo, assim, que não sou refratário somente à minha dor física, mas também à dor dos outros.

O meu barbeiro, o Martins, é um homem extremamente habilidoso. Consegue arrancar os pelos dos locais mais intrincados do meu rosto sem me causar dor alguma. Mas só Deus sabe como sinto aflição enquanto o Martins está me fazendo a barba.

Se por acaso estou com dor de garganta, antes mesmo de engolir o alimento ou o líquido, já começo a sentir dor.

Eu não entendo como é que na Antiguidade faziam cirurgias se não existia ainda a anestesia. Falam que davam uma paulada na cabeça no paciente e o operavam desacordado. Outro método que usavam eram embebedar o paciente com rum e o operavam em coma alcoólica.

Sei de pessoas que tiraram, agora nos tempos modernos, mais de 20 dentes da boca sem anestesia.

Eu não sei como é que os homens são tão valentes, quando eu sou tão covarde ante a dor física.

Eu não passo de um covarde.

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