sábado, 3 de março de 2012



03 de março de 2012 | N° 16997
DAVID COIMBRA


A grandeza da tristeza

As pessoas não veem grandeza na alegria. A alegria é franca, explode para o mundo, está ali de corpo inteiro, sem dissimulação. A tristeza, não. A tristeza sempre tem algo por trás, algo não dito, que parece maior do que a vida – só pode ser maior do que a vida, ou não a colocaria na sombra. Por isso, a tristeza parece profunda; a alegria, rasa.

Não existe mulher mais perigosa do que uma mulher muito linda e um pouco triste. Não deprimida, não mal-humorada: um pouco triste. Um olhar espiando o vazio. Um ar blasé. Um suspiro mudo.

É o que basta. Aquela mulher conhece a vida, aquela mulher vai além das aparências. Ela é linda, ela podia ser dona do mundo, mas não, ela está vendo mais do que você vê, ela sabe da vida coisas que você não sabe, por isso se entristece, por isso é maior do que todas.

Um homem triste também parece acima dos outros homens. Aírton Senna era um homem triste. Era rico, famoso e bem-sucedido, namorava Xuxas e Galisteus, e, ainda assim, uma aragem de tristeza o envolvia permanentemente. O que o tornava maior. A tristeza no olhar de Senna dava-lhe grandeza. O fim trágico fez dele ainda maior, mais do que um vencedor, mais do que um herói. Fez dele o herói supremo: o herói triste.

O homem mais triste do Brasil

O homem público mais triste da história brasileira talvez tenha sido o general Geisel. Nos anos 50, quando ainda era coronel, ele perdeu o filho de 16 anos, atropelado por um trem. Foi informado do acidente, viu o corpo, voltou para casa e comunicou a morte à família com circunspecção militar. Em alguns meses, todos os seus cabelos louros embranqueceram. Quando a mulher colocou a foto do filho em um porta-retratos de prata, Geisel pediu que ela o retirasse. Levou dez anos para pronunciar o nome do filho outra vez. Um dia, ele disse:

– Eu, ao longo da minha vida, fui um infeliz.

O que torna um homem feliz

O homem que dribla não pode ser um triste. Ele dribla porque é alegre; fosse triste, não driblaria.

Refiro-me ao driblador emérito, aquele que vê no drible a maior beleza do jogo. Certo dia, o pequeno Dener disse, num suspiro:

– Às vezes, o drible é mais bonito do que o gol.

Estava sendo politicamente correto. O que Dener pensava, na verdade, era que o drible SEMPRE é mais bonito do que o gol.

Dener era craque, de um tipo de craqueza já extinta. Quem mais se parece com ele hoje é Ronaldinho. Tem a técnica pura de Dener, um dom que lhe foi presenteado pela genética, mas Ronaldinho já não dribla mais. Agora, dá estocadas na bola. Quando driblava, era mais alegre.

Rivellino era um artista do drible. Driblava parado, um drible de palmo e meio, do tamanho de um parquet, desconcertante, humilhante, quebrador de espinha. E foi o inventor do elástico, o mais belo drible do mundo. Disse, o Riva, que foi um japonês que inventou o elástico.

Ele tinha visto o japonês fazer aquilo e o imitou até alcançar a perfeição. Como Dener, estava sendo politicamente correto. Estava sendo humilde. Um japonês até pode ter inventado o elástico, mas no papel, um drible de teoria:

– Que tal inventarmos um drible em que a bola vai para um lado e, de repente, se volta para o outro?

Rivellino achou boa ideia, foi lá e fez.

Rivellino, Dener e Ronaldinho. Todos meias. Os meias são de bom drible. Lembro do Zico metendo a bola entre tornozelos fincados de um zagueiro tosco, lembro do Rivaldo arrepiando a franja de um volante anônimo com um chapeuzinho, lembro de tudo isso, mas os dribladores mesmo, os profissionais jogavam de pontas. O drible era instrumento de trabalho do ponta.

Outro dia o Luxemburgo, que foi lateral, que marcou muito ponta e muito foi driblado por ponta, pois o Luxemburgo lembrou do Cafuringa. Ponteiro-direito típico, driblador, ciscador, enjoado. Alguém um dia disse que o Cafuringa só marcou oito gols na vida. Pode ser, mas o que importa?

Cafuringa, o que ele fazia, era driblar. Parava na frente do lateral, a bola entre as chuteiras e, quando o lateral esticava a perna, o Cafuringa dava o bote, ia para a linha de fundo. O lateral ia atrás e o Cafuringa o cortava de novo, desta vez para dentro.

E o lateral insistia e ele o driblava outra vez, agora para fora. Torcia para que ele entrasse em campo só para vê-lo dançando com o beque. Cafuringa, Garrincha, Joãozinho, Nei, Edu, Zequinha, Denílson, o baixinho Osni. Homens dribladores. Homens felizes.

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