sábado, 3 de março de 2012



03 de março de 2012 | N° 16997
CLÁUDIA LAITANO


Uniformemente diferentes

Nos tempos em que eu estudava no Rosário, nos anos 80, os uniformes já haviam sido abolidos da maioria dos colégios particulares de Porto Alegre. Muitas escolas ainda exigiam abrigo e camiseta com logotipo, mas o visual mais clássico já parecia tão anacrônico quanto o chapéu Borsalino.

A exuberante moda dos anos 80, com suas cores cítricas e profusão de tecidos sintéticos, permitia que a liberdade de gostos e costumes daqueles anos pós-ditadura fosse exercida de forma pródiga.

Ombreiras, cabelos assimétricos, sapatos de plástico e estampas de oncinha conviviam nos corredores da escola com os congas e as camisetas de quem não tinha tanta grana ou simplesmente fazia o estilo “despojado com personalidade”.

Qualquer foto de turma dos anos 80 revela uma alegre variedade de estilos, cada um deles identificando, se não tribos específicas, pequenos subgrupos reunidos por afinidades que se expressavam também no modo de aderir (ou não) às modas da época.

Em muitos países, porém, o uniforme ainda é tão comportado quanto no Brasil dos anos 50. Em Buenos Aires e Paris, em Nova York e em Santiago do Chile, em escolas de elite e também em escolas públicas, ainda é muito comum encontrar na rua grupos de estudantes uniformizados no melhor estilo “retrô”.

(Ano passado, em viagem à África do Sul, encontrei vários grupos de estudantes de escolas de periferia visitando museus e fiquei com uma impressão muito boa do sistema de ensino africano apenas porque seus uniformes escolares pareciam muito sóbrios e bem cuidados – como se a escola fosse realmente um lugar levado a sério por ali, se os cuidados eram tão evidentes já na roupa dos meninos.)

No Brasil, o uniforme voltou com força nos últimos anos, principalmente por questões de segurança.

Mas, mesmo nas escolas que exigem o uso de abrigos e camisetas com o logotipo da escola (raras adotam o charmoso estilo saia comprida e gravatinha...), logo se estabeleceu toda uma estratégia para burlar as regras mais rígidas, permitindo que o uniforme seja “customizado”: o casaco caro por cima, a calça de grife com a camiseta da escola, um puxadinho aqui, outro acolá, e o uniforme some em meio às urgências do consumo e da necessidade de aparentar identidade e liberdade de escolha.

O curioso é que quem parar na frente de uma escola de Porto Alegre ou sentar-se em um shopping durante 15 minutos vai notar que os adolescentes gaúchos, ricos ou pobres, estão mais uniformizados do que nunca. Como se um quartel-general instalado em Brasília tivesse produzido uma cartilha muito rígida legislando sobre o comprimento dos shorts das meninas e dos bermudões dos meninos.

A ansiedade comum a boa parte dos adolescentes – a de pertencer a um grupo, a de diluir-se confortavelmente entre os iguais sem deixar de sentir-se único e especial – parece ser amenizada por essa adesão compacta a um figurino comum, em que as variações individuais são mínimas.

Essa mesma função, de certa forma, era exercida pelos uniformes, que além de tudo disfarçavam o peso das diferenças sociais, desencorajavam o consumismo e facilitavam a vida de famílias com muitos filhos para vestir.

Surpreendentemente, a liberdade de optar pela diferença parece ter redundado nessa massacrante uniformização do gosto – cara, consumista e com pouco espaço para a diferença, a invenção e a personalidade.

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