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terça-feira, 8 de julho de 2008
RUBEM ALVES
Como a chama de uma vela
Sobre a morte, por acaso haverá dois deuses, um de rosto maternal e outro com rosto de torturador?
ALGUMAS PESSOAS TÊM a felicidade de morrer com a tranqüilidade de uma vela que se apaga repentinamente soprada por uma lufada de vento. Ela, a vela, estava segura e feliz, gozando sua chama que fazia o trabalho de luz. E, de repente, não mais que de repente...
Não houve agonias nem dores. A chama morreu tranqüila. Como se ela, a morte, fosse uma mãe que coloca a mão sobre os olhos da criança para que ela se entregue ao sono...
Acho que foi assim que aconteceu com dona Ruth Cardoso. Muitos anos atrás, um repórter perguntou ao então presidente Fernando Henrique: "Como é que o senhor gostaria de morrer?" Ele respondeu: "Dormindo..." Seu desejo se realizou na dona Ruth: ela morreu como se estivesse dormindo...
Se, por acaso, houver entre meus leitores algum que, para se livrar do medo, deseje fazer amizade com a morte, eu aconselharia a leitura do maravilhoso grande livrinho de Bachelard -"A Chama de uma Vela". Volto sempre a esse livrinho quando desejo meditar sobre o mistério da minha vida, que também se apagará como a vela.
Mas eu tenho medo. Quando eu era jovem, era medo puro. Medo metafísico, do escuro do nada...
Vinicius escreveu o seu poema "O Haver" como um consolo diante da morte. "Resta essa obstinação em não fugir do labirinto / Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente / E essa coragem indizível diante do grande medo / E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva..."
Jovem ainda, minha primeira viagem aos Estados Unidos, eu atravessava a Broadway com um amigo japonês, Kunio Goto. As separações, quaisquer separações, são sempre metáforas da Grande Separação. A saudade dos meus queridos no Brasil era muita e eu falava sobre meu medo de morrer.
Ele me ouviu, fez alguns segundos de silêncio e observou: "Já pensou, Rubem, em como seria horrível não morrer?" Essa observação chamou-me à razão, mas não diminuiu o sentimento. O medo foi transfigurado pela saudade.
Rilke tem um verso que diz: "Quem assim nos fascinou para que tivéssemos um olhar de despedida em tudo o que fazemos?" Imagino que a Cecília se inspirou nas palavras de Rilke ao escrever esse lamento na ode à avó: "Tudo em ti era uma ausência que se demorava; uma despedida pronta a cumprir-se..."
Mas, para outras pessoas, a morte é cruel e sádica. Comporta-se como um torturador que faz o seu trabalho de dor vagarosamente na vítima, que não tem como livrar-se das suas mãos de ferro.
Não sei que critérios usa a morte para determinar o seu estilo de trabalho. Diante do contraste entre essas duas mortes, as pessoas que não acreditam em Deus sofrem uma dor apenas, a dor da dor. Elas não se perguntam sobre as razões divinas por detrás dessas duas faces da morte que a imaginação cria.
Elas simplesmente lamentarão que a vida seja assim irracional e sem cuidados para com os seres humanos, indiferente e ignorante de dores e prazeres. Ninguém é culpado.
Mas o que terão de pensar aqueles que acreditam em Deus, Deus que os teólogos definiram como onipotente e, por isso mesmo, fonte última de tudo o que acontece, inclusive das duas faces da morte? Por acaso haverá dois deuses, um de rosto maternal e outro com rosto de torturador?
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