sábado, 5 de julho de 2008


Paulo Moreira Leite e Murilo Ramos

A luta de Meirelles contra a nova inflação

Diante de um cenário global turbulento, o Brasil enfrenta o desafio de conter a alta dos preços sem comprometer as conquistas recentes da economia. Para isso, o BC deverá subir o juro. Mas será que o resto do governo fará sua parte?

Meirelles em seu gabinete, em Brasília. Na prateleira, o artigo de um admirador que o chamou de heróiNo 20º andar do Edifício do Banco Central, onde fica o gabinete do engenheiro Henrique Meirelles, presidente do BC, avista-se uma das mais belas paisagens de Brasília. O cenário combina a arquitetura modernista da cidade com a vegetação original do Cerrado brasileiro – sob um céu de azul magnífico.

Numa das estantes da sala de reuniões, uma pequena moldura guardou para a eternidade a carta de um admirador. O texto é um legítimo troféu de guerra. Mencionando as críticas que a CUT, o PT, o MST e toda a sopa de letras da base do governo fizeram a Henrique Meirelles desde sua posse no Banco Central, um cidadão comum lembrou a contínua prosperidade alcançada pela economia brasileira nos últimos anos para fazer uma confissão.

“Estou perplexo”, escreveu, em agosto de 2007. “Gênio ou louco? Em qualquer dessas opções, (Henrique Meirelles) é o herói da gestão Lula”.

Comandante da taxa de juro, a mais poderosa e rápida arma que o capitalismo inventou para controlar a alta de preços no curto prazo, nos últimos três meses Henrique Meirelles foi colocado diante da primeira ameaça grave que a economia globalizada oferece ao Brasil desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, em janeiro de 2003.

Encerrando uma temporada de ventos favoráveis, mercado em alta e elevação do poder de consumo, a economia mundial enfrenta uma mudança ampla e radical, que já produz reflexos no Brasil.

A alta dos preços preocupa a dona de casa, os assalariados de olho nos empregos e os empresários ocupados em preservar seus investimentos. Nesse ambiente novo e imprevisível, Meirelles tem a missão prioritária de proteger o dinheiro dos brasileiros e impedir o retorno da inflação – mas sem destruir as conquistas recentes da economia.

Num esforço para encarar um desafio que poderá definir o destino do governo Lula em 2010, é possível acompanhar a agenda de Meirelles pelos retratos em seu gabinete no BC. Perto de uma janela, avistam-se fotos da festa junina de 2007, na Granja do Torto. Numa delas, Meirelles dança quadrilha com a primeira-dama Marisa.

Noutra, o presidente Lula, Meirelles e as respectivas mulheres estão sentados num sofá. Inútil perguntar por imagens semelhantes da festa junina de 2008. Não há. Meirelles estava em Lucerna, na Suíça, participando de um seminário sobre as perspectivas cada vez mais ásperas da economia internacional.

"É viável que o Brasil possa costear essa onda. Mas terá de trabalhar" - Paulo Guedes, economista

São encontros demorados e informais, em que os mandarins da globalização trocam impressões, fazem confidências – e se reúnem em momentos de preocupação e perplexidade. Disciplinado e correto, Meirelles não dá entrevistas nem faz revelações sobre tais eventos.

Um dos personagens mais curiosos nessas ocasiões costuma ser o presidente do banco central da Arábia Saudita. Há dois anos ele não consegue fazer uma previsão acertada sobre o preço do oxigênio negro que garante a vida de todos os habitantes de seus país.

Suas estimativas sempre ficam abaixo da realidade. Isso dá uma idéia das incertezas que envolvem o petróleo e afetam desde o transporte de pessoas e mercadorias até a produção de plástico, a indústria e os fertilizantes.

De uns tempos para cá, essas conversas têm sido cada vez mais preocupantes, em relatos que acumulam sinais de turbulência, insegurança e risco em vários pontos do planeta. O número de países com inflação na casa de dois dígitos já não é desprezível.

São 53 nações, que precisam alimentar, abrigar e dar emprego a 3 bilhões de seres humanos. Envolvida por um pântano de créditos artificiais e balanços de ficção, a economia americana arrasta-se como um animal ferido e desorientado, incapaz de emitir sinais seguros de recuperação.

Estimulado pelo apetite dos países asiáticos – a começar pela China – e também pelos programas de etanol e bioenergia dos países desenvolvidos, o preço dos alimentos enfrenta uma situação de superaquecimento que o professor Fernando Homem de Melo, da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, define como “a maior alta de preços da história do capitalismo”.

"Aqui o problema é de política fiscal. Há tempos esse cenário se desenha" - Gustavo Franco, ex-presidente

do BC“A inflação é um problema que vai concentrar as atenções nos próximos 18 meses em todo o mundo”, diz Paulo Leme, do Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo.

É bom entender que, na pura matemática, o Brasil está longe de constituir uma pré-catástrofe. Pelos números atuais, a inflação deverá chegar ao fim do ano no patamar de 6,5% – número ainda dentro da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional.

A economia cresce na faixa de 5%, um motivo de alegria geral. O problema é o que se vê nas prateleiras de supermercados. Ali, a dança de preços lembra uma situação que o país imaginava pertencer às paginas dos livros de História (leia a reportagem).

Em Natal, no Rio Grande do Norte, a cesta básica já subiu 51,82% em um ano. Em Belo Horizonte, 42,34%. No Rio de Janeiro, 36,25%, e em São Paulo, 30,83%. Só para ter uma idéia do significado desses números.

Um dos orgulhos do atual governo, o salário mínimo, está fixado em R$ 415, patamar mais alto desde sua criação, por Getúlio Vargas. Em 1o de maio, a elevação foi de 9,21% – ou menos de um terço do aumento da cesta básica em São Paulo, menos de um quinto do salto ocorrido em Natal.

A alta dos alimentos não tem origem na economia brasileira. O país produz quase toda a comida que consome, mas a alta no mercado internacional afeta o Brasil do mesmo jeito – pois os preços da exportação passam a ser mais vantajosos, reduzindo a oferta no mercado interno.

“Nesse cenário, é natural que os grandes produtores prefiram exportar para quem paga melhor. E os preços aqui sobem junto”, afirma Roberto Dias, gerente do supermercado Futurama, loja de Pinheiros.

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