quarta-feira, 9 de julho de 2008



09 de julho de 2008
N° 15657 - Martha Medeiros


Sobre alguns beijos

Já deve ter acontecido com você também. É o seguinte: você se considera uma pessoa de cabeça aberta, até que um fato qualquer lhe causa algum desconforto e você não entende: ué, o que está havendo comigo?

Pois aconteceu quando vi a foto da Daniela Mercury beijando uma outra cantora que eu não conhecia, Alline Rosa. O beijo aconteceu durante a gravação de um DVD da banda Cheiro de Amor, em que elas dividiram o palco.

Quando terminaram de cantar uma música juntas, Daniela se ajoelhou em frente a sua anfitriã e em seguida se levantou e tascou-lhe um beijão na boca.

Grande novidade. Muito antes disso, Madonna e Britney Spears fizeram o mesmo, e desde então só vem aumentando a troca de bitocas em público, para deleite dos fotógrafos.

Luiza Brunet com Adriane Galisteu, Adriane Galisteu com Hebe, Hebe com Gil, Gil com Lulu Santos, Lulu Santos com não-sei-quem, e daí? Vou ficar chocadinha agora?

Nunca dei a mínima. Mas o beijo da Daniela Mercury me surpreendeu, e eu fiquei surpreendida por ter me surpreendido. Um momento de entusiasmo sob os holofotes, uma performance corriqueira, um beijo a mais no showbiz, qual a diferença?

Preconceito contra a homossexualidade não era, já cansei de defender o respeito à diversidade sexual, e essa questão nem entrou em pauta, era só uma cena para os flashes, uma brincadeira, nada mais. O que me incomodou, então?

Me incomodou o fato de que eu estou me transformando numa caretona, só pode ser isso. Eu tinha uma idéia de que a Daniela Mercury era uma mulher imune à propagação de factóides.

Sempre admirei pessoas que se preservam, que não se expõem desnecessariamente, que mantém um certo mistério. Santa nostalgia. Isso já não existe.

Há muito que trocamos o sensacional pelo sensacionalismo. Amanhã o João Gilberto poderá dar um beijo na boca do Chico Buarque e isso só provará que o mundo está mais alegre e desestressado. E que eu parei no tempo.

Ainda sobre beijo, agora sob outro aspecto. A Argentina é um país de homens viris. Uma demonstração clara disso é que lá os homens se cumprimentam com um beijo no rosto.

Parentes e amigos se beijam a cada vez que se encontram na rua ou num bar. Eu acho uma imagem bonita de se ver.

Aqui no Brasil esse hábito ainda está engatinhando, mas quando vejo pai e filho se beijando, ou um amigo beijando outro, automaticamente penso: é um homem de classe. Não sei se isso me redime da caretice ou se agora não adianta mais, já sou um caso perdido.

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