Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
MOACYR SCLIAR
Guerra é guerra
O despertador soava, ele jogava-o contra a parede e depois levantava da cama, muito alegre
Quem nunca teve vontade de atirar o despertador na parede numa segunda-feira de manhã? Foi pensando nisto que a empresa japonesa Tokyo Trading fez um despertador no formato de uma granada de mão.
Assim que o produto começa a tocar, seus usuários podem atirá-lo com toda força na parede. Um sensor de movimento "desarma" o despertador, que pára de tocar. Folha Online
VIVIAM JUNTOS havia muitos anos, e viviam bem. Como diziam os amigos, eram um magnífico exemplo de convivência harmoniosa.
Gostavam dos mesmos filmes, das mesmas bandas, dos mesmos livros, dos mesmos pratos. Torciam para o mesmo time, votavam nos mesmos candidatos. Casal perfeito, enfim.
Havia um único momento no dia em que a relação azedava: o momento de acordar. Porque aí, sim, eram diferentes. Ela pulava da cama lépida e fagueira, pronta a enfrentar os desafios do trabalho. Ele, pelo contrário, despertava sempre de mau humor.
Odiava a manhã. E odiava sobretudo o despertador que tocava diariamente às seis e meia -horário, a propósito, estabelecido por ela. Ele até que poderia acordar mais tarde, mas, afinal, eram um casal harmônico, e casais harmônicos acordam à mesma hora.
Só que o som do despertador estragava tudo. O relógio acabou tornando-se, para ele, um símbolo odiado. Pior que aquilo, dizia, só as trombetas do Apocalipse.
Um dia leu na Folha a notícia de que uma empresa japonesa tinha criado um relógio com o formato de uma granada de mão, um relógio que podia ser atirado com força contra a parede, sem quebrar.
O propósito do invento era muito claro: descarregar o mau humor das pessoas que não gostam de acordar de manhã. O caso dele.
Não vacilou: a um amigo que seguido viajava ao Japão encomendou o tal despertador. O amigo atendeu o pedido, e, quando o relógio chegou, ele teve certeza de que uma nova etapa começava em sua vida. Na vida do casal, para dizer a verdade.
Com a concordância dela, trocou o antigo despertador pelo novo. Na manhã seguinte, mal o relógio estilo granada soou ele agarrou-o e jogou-o contra a parede.
O estridente som de imediato cessou, com o que ele sentiu-se invadir por um imenso júbilo. Enfim, podia expressar seu protesto contra a vida matinal.
Enfim, podia dar vazão à sua contrariedade. O relógio-granada era a solução de seus problemas. Nos primeiros tempos correu tudo bem. O despertador soava, ele jogava-o contra a parede e depois levantava da cama, muito alegre.
Ela, porém, começou a mostrar-se contrariada. Não gostava de gente violenta. Sobretudo, não gostava daquele tipo de violência. Sentia como se a agressão fosse dirigida a ela. "É a mim que você quer jogar contra a parede", disse.
As discussões se sucediam, acabaram por separar-se e ela deixou o apartamento. Ele continua jogando o despertador contra a parede. Mas não com o mesmo entusiasmo, ao contrário.
Uma fantasia persegue-o, a fantasia de que a ex-namorada vai usar aquilo para se vingar. Uma noite, ele dormindo, ela entrará no apartamento (do qual ainda tem a chave) e trocará o relógio-granada por uma granada de verdade.
Quando ele atirá-lo, será aquela explosão. Mas não é em meio a uma explosão que terminam os grandes casos de amor?
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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