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domingo, 4 de novembro de 2007
DANUZA LEÃO
Da série "nosso país"
O normal, como há 200 anos, é cobrar um percentual de todas as obras nas estradas, que continuam esburacadas
O BRASIL É UM país complicado. A filosofia de grande parte dos brasileiros é ficar rico rapidamente; não à custa do trabalho, mas de preferência dando um golpe -ou uma tacada, como costumam dizer, mas isso não é de hoje. Há 200 anos o Brasil é assim, e não dá mostras de mudança.
A inspiração para este artigo veio depois da leitura do magnífico livro "1808", do jornalista Laurentino Gomes -que deveria ser lido obrigatoriamente por todos que tentam entender nosso país-, que conta como era o Brasil nos tempos de D. João 6º, há 200 anos.
Segundo o livro, quando o governo do presidente Adams, em 1800, mudou a capital dos EUA da Filadélfia para a recém-construída Washington, o número de funcionários era de apenas mil. Já quando Brasília foi inaugurada, o número foi entre 10 mil e 15 mil, todos com salários altíssimos, pelo sacrifício da viagem.
O livro diz que "grande parte dos nossos políticos pouco se interessa pela prosperidade do país; querem mais enriquecer à custa do Estado do que administrar justiça ou beneficiar o povo.
Os que têm os cargos mais altos recebem verba de custeio e representação; é um grupo caro, perdulário e voraz". Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Continua o livro: "Naquele tempo o banco do governo financiava, sem garantias, políticos, usineiros e fazendeiros quebrados, e foi inventada a "caixinha", nas concorrências e pagamentos do serviço público.
Uma comissão de 17% era cobrada de todos os pagamentos ou saques no tesouro público. Era uma forma de extorsão velada: se o interessado não comparecesse com os 17%, os processos simplesmente paravam de andar.
Um dos encarregados de administrar as finanças públicas, o que incluía todos os contratos e pagamentos, enriqueceu rapidamente.
No momento em que alguns moralistas tentaram mudar as coisas, esse homem foi preso e teve seus bens confiscados. Duas semanas mais tarde foi solto". Só para lembrar: isso acontecia em 1808.
No Brasil de hoje, as diretorias das importantes estatais são disputadas pelos partidos, entre políticos que não são do ramo. Fala sério: por que razão um arquiteto -aliás, bom arquiteto- deve ser presidente de Furnas ou um deputado presidente da Infraero?
Quando entra um novo governo, estouram os escândalos de superfaturamento, CPIs são instaladas -geralmente não dão em nada- , e o dinheiro, ó: nunca mais.
O normal, exatamente como há 200 anos, é cobrar um percentual de todas as obras feitas nas estradas, que continuam esburacadas, matando gente, e nos aeroportos, onde as pistas, por não terem o padrão exigido pela segurança, matam gente.
Os poderosos continuam na gastança, pois a filosofia é que dinheiro do governo não é de ninguém, e o dinheiro da CPMF, que teoricamente foi criada para ser usado na saúde, não é empregado em hospitais, e o povo morre nas filas esperando atendimento médico.
Com o Brasil sediando a Copa de 2014, seria preciso um Tribunal de Contas para a reforma de cada estádio e outro para cada estádio novo que será construído.
E o leite adulterado, vai dar em algo? Um ex-governador, hoje deputado, atirou num inimigo político há 12 anos, é preso em flagrante, às vésperas de ser julgado -tem foro privilegiado-, renuncia, e o processo vai recomeçar da estaca zero. É escárnio, como bem disse o ministro do Supremo Joaquim Barbosa.
Depois de ler esse livro, passei a entender que a corrupção está cravada no DNA do Brasil e vai ser preciso muito tempo para que as coisas mudem. Daqui a duas ou três gerações, talvez. Talvez.
danuza.leao@uol.com.br
Excelente domingo e uma ótima semana.
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