segunda-feira, 5 de novembro de 2007



05 de novembro de 2007
N° 15409 - Luis Fernando Verissimo


Pão e queijo

Não me lembro quem era. Faz tempo. Numa roda discutiam-se as preferências de cada um e alguém declarou "Pra mim, é Pio XII e Marta Rocha".

Podia ter dúvidas em outras categorias, menos nas de melhor papa e melhor Miss Brasil. A frase fez sucesso, apesar da incongruência assumida, pois havia uma clara incompatibilidade entre as duas escolhas.

Como alguém podia gostar ao mesmo tempo do ascético papa Pio XII e da bela baiana que só não fora Miss Universo porque suas formas eram generosas demais? (Ver "Padrões e Medidas do Brasil Antigo", capítulo "Formas e Folclore", verbete "Violão, Mulher tipo").

Mas o importante era o tom definitivo da declaração. É preciso ter algumas definições prontas para o caso de você ser cobrado de surpresa. Melhor papa. Melhor Miss Brasil. Melhor Tarzan. Melhor música do Tom...

Não é fácil estar com as suas preferências sempre em dia. Quem tem uma coluna regular na imprensa e dá palpite sobre tudo muitas vezes só descobre o que pensa sobre um assunto quando o comenta, e não é raro começar com uma opinião e terminar com outra. Tenho posições firmes sobre o aleitamento materno (a favor) e o câncer (contra), mas e a clonagem humana?

E dois volantes de contenção, sim ou não? E Lula de novo ou chega? E Israel e os palestinos? Alguém já disse que não existe frase pior, para um profissional do palpite, do que "por outro lado".

Sempre tem o maldito outro lado! Não é uma questão de ser objetivo e imparcial. Com um espaço assinado no jornal, você é pago para ser subjetivo.

Todos os imparciais são iguais mas cada um é parcial à sua maneira, e se for um preconceituoso é ainda mais divertido. O problema é como ser subjetivo sem ser injusto e saber por que você é parcial. Ou o que, para você, é pão e é queijo. Ou Pio XII e Marta Rocha.

(Ninguém me perguntou, mas lá vai: João XXIII, Ieda Maria Vargas, Johnny Weismuller e Inútil Paisagem).

A não ser para quem, prevendo a demora, leva a sua própria literatura, leitura de sala de espera pode ser uma experiência cultural curiosa.

Você acompanha a vida social brasileira, o crescimento da Sandy e do Junior e a fluida vida amorosa de artistas e personalidades pelas páginas de Caras, Quem e outras revistas do tipo, mas precisa prestar atenção nas datas para evitar uma salada cronológica e se confundir.

Como as revistas de salas de espera se renovam com notória lentidão, você está arriscado a só saber do quinto aniversário da Sasha quando ela já estiver noivando. Mas já foi pior. Tenho uma respeitável cultura de sala de espera e lembro quando a antigüidade das revistas era ainda maior.

- Podia me passar uma revista, por favor? - Qual a que você quer? - O que é que tem?

- Deixa ver... Tem uma Cruzeiro de 1951... Uma Cigarra de 1949... Metade de uma Revista da Semana de 1948...

- Que mais? - Uma National Geographic de 1940... Revista Fon Fon...- Que ano?

- 1938. Uma Eu Sei Tudo de 37... Seleções de 33... Esta aqui eu não sei em que língua é...- Deixa ver. Parece aramaico... O pergaminho está se esfarelando. Não será etrusco?

- Não, não. Acho que os etruscos não usavam pergaminho. - Não tem nada mais velho? - Bom, tem esta pedra com hieróglifos, mas não sei de que ano é. - Vai essa mesmo.

Nenhum comentário: