segunda-feira, 22 de dezembro de 2025


A fatura do tempo perdido

Há decisões que não doem porque não sangram. Doem porque escorrem. Escorrem em dias não aproveitados, em recursos que poderiam circular, em oportunidades que simplesmente não voltam. Quando uma prefeitura do porte de Porto Alegre não disponibiliza os boletos de IPTU ainda em dezembro, não estamos falando de um detalhe operacional. Estamos falando de uma decisão silenciosa - ou da ausência dela.

O cidadão, especialmente aquele que se organiza financeiramente, costuma desejar virar o ano com menos pendências. Pagar o IPTU antecipadamente não é apenas cumprir uma obrigação: é organizar o futuro. Quando o poder público não oferece essa possibilidade, ele não apenas atrasa uma arrecadação - ele desorganiza a confiança. O recurso que poderia entrar em caixa ainda no exercício corrente deixa de cumprir múltiplos papéis: aliviar a pressão sobre a folha de pagamento, ajudar a honrar o décimo terceiro, reduzir a necessidade de caixa emergencial, ou mesmo ser aplicado por poucos dias, gerando retorno lícito e previsível.

Nada disso acontece. Não por impossibilidade técnica. Mas por inércia administrativa, fragmentação de responsabilidades ou ausência de visão sistêmica. E aqui está o ponto mais sensível: na gestão pública, tempo também é dinheiro, mas raramente alguém é cobrado por desperdiçá-lo.

O paradoxo do planejamento público

Curiosamente, o discurso oficial costuma exaltar planejamento, previsões, peças orçamentárias e metas plurianuais. Mas o básico - o timing - falha. Planejar não é apenas saber quanto arrecadar. É decidir quando permitir que o recurso exista. A falta de emissão antecipada do IPTU revela algo maior: uma cultura que reage ao calendário, em vez de antecipar-se a ele.

E, como bem sabemos - vindo da experiência de quem um dia foi pequeno empresário - quem cresce não espera o cliente bater na porta. Quem cresce mantém-se disponível, remove obstáculos, amplia janelas de oportunidade. No setor público, infelizmente, o fechamento ocorre ao contrário: fecham-se janelas em nome da rotina, do “sempre foi assim”, do “em janeiro a gente resolve”. Mas janeiro chega com contas vencidas.

Exercícios práticos de decisão (para gestores - e cidadãos conscientes)

Exercício 1 – Decisão de antecipação

Se você fosse o gestor responsável, o que precisaria estar pronto até 15 de dezembro para permitir a emissão do IPTU? Sistemas? Aprovação legal? Comunicação? 👉 Liste os gargalos e identifique quais são técnicos e quais são apenas culturais.

Exercício 2 – Custo da não decisão

Estime mentalmente: Quantos contribuintes pagariam ainda em dezembro? Qual o impacto disso no caixa? Quanto custa deixar esse dinheiro parado… fora do cofre público? 👉 O que parece “neutro” é, na verdade, uma decisão cara.

Exercício 3 – Empatia inversa

Coloque-se no lugar do cidadão organizado. Que mensagem ele recebe quando não pode pagar? Que tipo de relação o Estado está construindo? 👉 Confiança também se arrecada - ou se perde.

Exercício 4 – Aprendizado do pequeno empresário

Pergunta simples: Se uma pequena empresa não atende no fim de semana, ela cresce ou encolhe? 👉 Por que o raciocínio muda quando o CNPJ é público?

Conclusão reflexiva

A cidade não quebra por falta de imposto. Ela sangra por falta de decisão no tempo certo. Planejar não é prever o ano seguinte. É agir antes que ele comece. E talvez o maior exercício de gestão pública seja este: aprender com quem nunca pôde se dar ao luxo de fechar as portas quando havia demanda batendo. Como bem sabemos - e vivenciamos: quem quer crescer, não escolhe apenas os horários convenientes. Escolhe estar disponível.

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