
Mal do século
A ansiedade é o mal do século. Você sofre por aquilo que não aconteceu e talvez não aconteça. Você sofre muito mais na tentativa desesperada de controlar os fatos e se prevenir de problemas.
Assim como há, na mente, uma prisão que nos atrela ao passado - a culpa, que é não se perdoar por uma falha e ficar estacionado nas memórias traumáticas -, há a prisão do futuro, a ansiedade. Nas duas masmorras intelectuais, não se vive o presente.
Com a intoxicação digital, com as existências paralelas nas redes sociais, dificilmente realizamos um encargo por vez. Somos incentivados a uma permanente simultaneidade, sacrificando o foco, a atenção e a concentração.
Afinal, acumular é ser infeliz. É se ocupar de tudo e não se lembrar de nada. É estar em locais remotos e jamais no próprio corpo. A ansiedade não atinge apenas o ansioso, mas também o círculo íntimo. É um caos contagioso, um desmonte em massa, uma usina insana de relacionamentos simbióticos.
O ansioso cria incompetentes ao seu redor, obcecado em fazer no lugar do outro. Não consegue esperar. Não consegue respeitar o ritmo de cada um. Impõe a sua pressa na resolução da rotina doméstica. Tem um cronômetro ligado nas conversas. Vai produzindo pessoas preguiçosas e desleixadas em seu entorno. Transfere responsabilidades, mas não suporta que elas demorem para ser cumpridas.
Pede para alguém lavar a louça. Cinco minutos depois, já está com a esponja na mão. Pede para alguém arrumar a cama ou o quarto. Cinco minutos depois, organizou o ambiente. Pede um favor e logo assume o comando. Transforma atribuições alheias em pendências, e pendências em suas novas obrigações.
O filho terminará por ser mimado, o par amoroso terminará por ser folgado, ninguém irá adquirir autonomia. É como a caneta amarrada no barbante em lotéricas. Não se pode ir longe com ela. O ansioso mantém seus afetos numa coleira. Deixa a família dependente de sua iniciativa, de sua movimentação, de sua pretensa agilidade.
Não divide as tarefas ao duvidar que serão executadas. Nunca saberá se seriam feitas, porque não dá chance. Antecipa fracassos. Consolida reclamações e queixas numa eterna desconfiança. Reserva o grosso da casa para si, num monopólio de consequências devastadoras. Pois, certamente, adoecerá pelo excesso de preocupações e funções, pelo seu isolamento fabril.
A ansiedade é usar a energia do amanhã no momento atual. Uma hora faltará. Uma hora virá o blecaute.
A aflição não para. Não traz um intervalo entre o emprego, o lar, os amigos. Não apresenta um recreio, um passatempo, uma desaceleração da vertigem de ser sempre útil e onipotente.
O ansioso carrega o mundo nos ombros. Inventa expectativas e necessidades. Inventa-se até desaparecer por completo. _
CARPINEJAR
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