quinta-feira, 18 de dezembro de 2025


18 de Dezembro de 2025
ROGER LERINA

Não estamos onde estamos

No último dia 10, durante a apresentação dos resultados do PAC Seleções 2025 no Palácio do Planalto, Lula deu uma bronca nos presentes a respeito do uso de celular durante eventos. Irritado, o presidente lá pelas tantas filosofou: "É o primeiro momento da história em que a gente não está onde estamos". O petista, que já tinha passado esse pito em subordinados em outra ocasião, reclamou que ninguém mais consegue "convencer" outra pessoa porque não escutamos quem está falando, pois vivemos hipnotizados pelas telas dos telefones.

Entendo os dois lados desse dilema metafísico. Também me incomoda essa compulsão por estar conectado o tempo todo e fotografar qualquer coisa que passe na frente - como se nosso testemunho presencial precisasse do endosso virtual para ter valor. Mas me reconheço igualmente como uma dessas pessoas que não conseguem manter-se distante da prótese digital. 

A meu favor, posso sacar um álibi: como jornalista, as demandas atuais da profissão exigem que eu esteja sempre informado e registrando o que acontece ao redor. Pra ser sincero, acho essa desculpa meio esfarrapada. Não justifica plenamente a dependência do celular. Na boa, ninguém precisa ficar tanto tempo assim grudado no aparelho, né?

Essa "ausência em presença" é particularmente desconcertante e desagradável em eventos coletivos como shows, peças e sessões de cinema. O uso do celular naturalizou-se nesses espaços, com a galera tranquilamente iluminando o teatro no meio do espetáculo enquanto tecla, atendendo ligação durante o filme ou assistindo ao concerto pela telinha do fone - em vez de desviar um tantinho os olhos e ver o que está ali bem defronte, ao vivo e em tamanho natural. 

A obsessão por permanecer online e o afã de tentar armazenar o mundo inteiro na nuvem reforçam o individualismo e a falta de urbanidade, deixando em segundo plano o espírito de coletividade e comprometendo o caráter gregário desse tipo de encontro. Não sei se já nos demos conta, mas estamos perdendo a conexão.

(Curiosamente, enquanto estou escrevendo esta coluna na tarde de segunda-feira, meu fone vibrou e apitou com o alerta vermelho da Defesa Civil para tempestade na região de Porto Alegre. Quem disse que celular só serve pra tirar selfie?). 

ROGER LERINA

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