segunda-feira, 15 de dezembro de 2025



15 de Dezembro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Parem de nos matar

Os atos do início do mês foram convocados como reação a uma sequência de crimes com repercussão nacional - seja pelo nível de brutalidade, seja porque uma câmera registrou a agressão. Mas, em essência, não há nada de excepcional nos episódios que vieram à tona nas últimas semanas. Trata-se do indigesto pão-nosso de cada dia.

Baseada no podcast Praia dos Ossos (2020), a série conta a história do assassinato que obrigou a sociedade brasileira dos anos 1970 a repensar os chamados "crimes de honra" ou "crimes passionais" - termos que emprestavam uma aura quase romântica ao feminicídio. No Réveillon de 1976, em Búzios, a socialite Ângela Diniz (Marjorie Estiano) foi assassinada pelo namorado, o boa-vida Doca Street (Emílio Dantas). Julgado em 1979, Doca foi condenado a uma pena de 18 meses e saiu livre do tribunal.

A história poderia ter terminado aí, como tantas outras, mas a escandalosa decisão a favor do assassino mobilizou feministas e simpatizantes em todo o país. O slogan do movimento, "quem ama não mata", fazia referência ao argumento, muito comum na época, de que homens traídos, ou abandonados, matavam "por amor". (Dessa praga, parece, nos livramos.) Em 1981, Doca Street foi submetido a um novo julgamento e condenado a 15 anos de prisão. Cumpriu apenas três em regime fechado.

Ângela Diniz tem o padrão de qualidade costumeiro das produções de Andrucha Waddington - direção de arte impecável, reconstituição de época cuidadosa, bons atores. Se ficou aquém do podcast, e essa é a minha impressão, foi porque falhou ao não contar melhor a parte mais importante do caso. A mobilização que resultou no segundo julgamento aparece apenas em flashes, nos últimos minutos da série. 

Uma pena. Se hoje temos a Lei Maria da Penha, a tipificação do feminicídio, a proibição da culpabilização da vítima e grandes manifestações para reivindicar soluções (sai "quem ama não mata" , entra "parem de nos matar"), muito se deve àquelas feministas heróicas que, nadando contra o reacionarismo dominante no Brasil dos anos 1970, decidiram reescrever o final dessa história. 

Cláudia Laitano

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