quinta-feira, 25 de dezembro de 2025


24 de Dezembro de 2025
CARPINEJAR

Um ano de mãos vazias

Odeio carregar sacolas por muito tempo, em especial se não estou de carro.

Só dá B.O. Ou a alça rasga, ou extravio algum objeto pelo caminho, ou é pequena demais e some nas maiores, no efeito matriosca - uma sacola dentro da outra, buscando reduzir volumes, unificar pacotes.

Pela pressa de me deslocar, pelo malabarismo das mãos ocupadas, pela inexatidão de quantos pertences estão agrupados, pela ânsia de sair de aplicativo ou de avião, pelo alvoroço de acomodar o conteúdo debaixo da mesa de restaurantes, são grandes as chances de não retornar com todas as compras.

Costumo trocar presentes de Natal com Zé, meu melhor amigo. Ele é parte da minha família. Eu trouxe um perfume caro, adquirido no free shop, em viagem internacional. Quando cheguei ao meu apartamento, não o achei mais. Revisei mentalmente o trajeto, e não recordei nenhum incidente. Ou havia caído silenciosamente no bagageiro do voo, ou permanecido incógnito no porta-malas do táxi: mais um antecedente criminal a creditar à polêmica e confusa data natalina, na nossa tentativa desesperada de não esquecer os afetos e corresponder às expectativas.

Alguém recebeu um perfume pelas minhas andanças. Isso que eu chamo de Amigo Secreto. Um desconhecido ficará cheiroso com o frasco de 100 mililitros da Ralph Lauren por longos meses.

Natal nos tira do eixo. Não é apenas comprar presentes, é escondê-los para fazer surpresa - ainda mais se você tem criança em casa. E depois precisa saber de memória o esconderijo.

Lembro-me de um Natal em particular, em Rainha do Mar, no litoral gaúcho, durante minha adolescência. A mãe guardou nossos embrulhos num saco de lixo, na área de serviço. Conseguiu arquitetar o plano perfeito. Quem mexeria na sujeira? Ninguém desconfiaria. Ela até lamentou jamais ter pensado naquilo: teria se livrado do sufoco de manter segredo nas comemorações anteriores.

Meu irmão, querendo se mostrar engajado na arrumação da ceia e garantir pontos no comportamento, decidiu levar o lixo para fora por sua deliberada iniciativa. Não se tratava de uma tarefa corriqueira. Na tardezinha de véspera da festa, bancou o adulto responsável, sentiu-se tomado de solidariedade e faxinou as tralhas dos fundos da residência.

Quando a mãe percebeu o desastre, voou obstinadamente para a rua. Um frio percorreu sua espinha ao reparar que a lixeira da calçada já estava vazia. Gritou: - Espere aí! Mas o coletor recém havia passado e arremessado a imensa sacola preta para o interior da prensagem de resíduos do caminhão.

Ela inclusive ouviu os estalos: o papel delicado sendo desfeito, não pelas nossas ansiosas unhas, e sim pelos tentáculos de metal. Não ganhamos presentes naquele ano. Foram triturados. Aprendi na marra o que significa a palavra "desapego". _

CARPINEJAR

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