
O "noivado" melou
Quem diria: Emmanuel Macron, o líder favorito de Lula, com quem costuma andar de braços dados em fóruns globais, como na COP30, virou um algoz a entravar o acordo Mercosul-União Europeia.
Na quarta-feira, o francês praticamente jogou uma pá de cal no plano de Lula de assinar o tratado ainda em 2025. Macron disse que seu país não apoiaria o acordo sem outras salvaguardas. A posição só corroborou para as pressões da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que tanto pediu o adiamento da assinatura, que conseguiu. A ratificação do acordo foi empurrada para 2026.
Mas voltando para Lula e Macron, parece que o noivado melou. Não chegou a casamento. Mas por quê? Parafraseando a máxima de James Carville transformada em clichê: "É a economia, estúpido!".
Europeus temem perder espaço com o livre comércio dos alimentos do Mercosul, principalmente dos brasileiros. A mercadoria do Brasil passaria a ser mais competitiva devido à alta produtividade do país e por ter um menor custo de produção.
Também não é de hoje que franceses travestem o protecionismo como defesa ambiental. Dizem que a produção de alimentos no Mercosul não segue os mesmos padrões europeus. E que o acordo aceleraria o desmatamento na Amazônia e abriria caminho para a entrada de agrotóxicos atualmente proibidos no bloco europeu.
Macron deixa o governo em 2027. Mas a questão não é eleger o sucessor, já que não pode se candidatar à reeleição. A questão é de sobrevivência, se sustentar até lá. Sete primeiros-ministros de seu governo caíram em sete anos. Todos por questões econômicas. O Palácio do Eliseu não iria arriscar o mandato para agradar a Lula. _
Ele viveu a História
Eu tinha 12 anos em janeiro de 1991 e ficava com os olhos vidrados na TV, com aquele relato do início da Guerra do Golfo. A imagem do mapa do Iraque estava na tela da rede CNN, enquanto Peter Arnett descrevia, da janela do quarto do hotel, os "céus de Bagdá" como um cenário espetacular e assustador, de modo ao vivo e ininterrupto.
- Flashes brilhantes por todo o céu. Minúsculos pontinhos luminosos - narrava, referindo-se aos disparos iraquianos.
Muitas vezes, a imagem real que a televisão mostrava era uma tela escura, pontuada por esses flashes. A descrição era completada pelo som das explosões e pela narrativa dramática.
Além do relato, que transpirava a História, o que mais me fascinava era a coragem: enquanto praticamente todos os jornalistas foram embora de Bagdá, sob ordens de Saddam Hussein, Arnett e os colegas Bernard Shaw e John Holliman ficaram. E foram os olhos e os ouvidos do mundo.
Anos depois, eu era repórter iniciante, e o Marcelo Rech, então diretor de redação de ZH, orientou:
- Tens de ler Ao vivo do Campo de Batalha.
Rech me emprestou o livro. Descobri que Arnett, quando chegou a Bagdá, já era um tarimbado correspondente. Cobriu o conflito do Vietnã de 1962 até o fim da guerra, em 1975. Fora um dos últimos jornalistas na antiga capital do Vietnã do Sul. Fora alçado ao panteão dos grandes correspondentes, aqueles que entram onde todos querem sair.
Ele faleceu na quarta-feira. Sua coragem me inspira e, espero, fique como legado para as futuras gerações de repórteres. _
Entrevista - Federico Servideo - Presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira (Camarbra)
"Foco na estabilização e na queda da inflação"
Na última semana, Javier Milei completou dois anos de presidência na Argentina. A coluna conversou com o presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo (Camarbra), Federico Servideo, que fez um balanço dos dois primeiros anos de mandato do presidente e falou sobre as relações entre os dois países.
Como avaliam os dois anos de Javier Milei na presidência?
Muitas coisas têm acontecido na Argentina, principalmente a estabilização com a queda da inflação e uma regularização dos mercados. Foram dois anos com muito foco na estabilização macro e na queda da inflação. Isso provocou uma recessão bastante significativa, que se intensificou na metade desse ano, antes das eleições de meio-termo. O comércio começou a se recuperar esse ano, e, de fato, se olharmos os números, o Brasil exportou para a Argentina, de janeiro a setembro, algo em torno de 40% a mais do que exportou em 2024, no mesmo período.
O resumo desses dois anos: a Argentina, o governo do presidente Milei, estabilizou a economia, controlou a inflação, provocou uma certa recessão e uma reorganização macro econômica, com os impactos no comércio exterior específicos e esperados, com uma queda significativa no ano de 2024 do comércio e uma recuperação já em 2025. A grande diferença que notamos é que hoje as expectativas da população argentina e, portanto, as expectativas do empresariado em geral, são bem positivas quando comparadas com o passado. E isso não vemos só nas estatísticas, mas também no fluxo de pedidos de informação de investidores brasileiros em relação a oportunidades de negócios na Argentina.
Nesse último ano, as relações entre a Argentina e Brasil melhoraram?
Hoje os brasileiros estão olhando para a Argentina com muito mais interesse. Realmente, notamos uma mudança de tendência, um maior interesse, ainda talvez mais concentrado na análise, nos estudos, mas já estamos vendo casos concretos de projetos implementados de investidores ou empresas brasileiras lá na Argentina para aproveitar as oportunidades que o país apresenta.
Alguns analistas apontavam que poderiam haver animosidades entre Lula e Milei. Como avaliam esse ano entre os dois?
Não notamos impacto dessa falta de alinhamento entre os presidentes. O comércio é feito pelos privados, os investimentos são feitos por empresas, que olham o macro, os fatos. Os corpos diplomáticos dos países têm trabalhado e nós temos acompanhado e participado. Aliás, esse ano assinamos o Acordo Mercosul-EFTA (bloco com Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça). Foi assinado um acordo de cooperação na área de segurança e de proteção contra o crime organizado entre os dois países.
Ou seja, foram resolvidos muitos entraves, muitos problemas de regras de origem que facilitam o comércio. Independentemente desse desalinhamento, o que temos notado em 2025 é um progresso, um avanço em diversas dimensões que facilitam o intercâmbio e a conectividade entre os nossos países. Lembremos que este ano foi a primeira vez que foi exportado gás argentino para o Brasil utilizando todo o sistema de gasodutos que passam pela Bolívia. Houve avanços para criar uma base ainda maior e mais sustentável do comércio e do relacionamento bilateral.
Se pudesse dar uma dica a Milei sobre em que focar nos próximos dois anos, qual seria?
Acho que o Milei tem feito, na avaliação geral, um bom trabalho. Acho que chegou o momento de trabalhar, uma vez consolidada a macro (economia), trabalhar na micro, para criar um marco regulatório que permita competitividade naquilo onde a Argentina realmente tem vantagens comparativas: o petróleo, a vaca morta (gás), o agro, a mineração...
Tudo isso é vantagem comparativa, mas como isso se transforma efetivamente em uma vantagem competitiva para atrair investidores, investimentos do Brasil, para integrar as cadeias produtivas e, com isso, conseguir desenvolvimento dos países e progresso das populações, que é o que precisamos: permitir que as nossas populações progridam e tenham uma vida melhor. O que eu falaria a Milei é: "Foque nas reformas, na criação de vantagens competitivas, continue atraindo investidores, crie uma plataforma, um ambiente para o desenvolvimento do país".
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