10/12/2025 - 13h50min
Roger Lerina
Porto Alegre está enfeiando
Cada vez menos o poder público e a iniciativa privada preocupam-se em dar espaço para o sensível
Mateus Bruxel / Agencia RBS
Um desatento passeio pelas ruas da Capital já alerta: falta vontade estética.
Mateus Bruxel / Agencia RBS
Mesmo um desatento passeio pelas ruas de Porto Alegre já alerta: falta vontade estética. A cidade está enfeiando. A mão humana não apenas vem destruindo a paisagem natural como não se esmera por tornar suas obras mais agradáveis e acolhedoras. Cada vez menos o poder público e a iniciativa privada preocupam-se em dar espaço para o sensível. Na capital gaúcha, abundam os prédios-caixote, os calçamentos medonhos e irregulares, as fachadas de edifícios que lembram gigantescos banheiros azulejados, as praças depredadas, os shoppings anódinos.
E tem as farmácias: além de sua impressionante proliferação – quem toma tanto remédio? –, chama atenção a feiúra agressiva de boa parte desses novos estabelecimentos que ocupam as esquinas da cidade com uma “arquitetura” híbrida de posto de gasolina e lancheria drive-thru. Não se trata de panorama restrito a Porto Alegre: o cineasta Kleber Mendonça Filho detectou o mesmo fenômeno farmacêutico em sua Recife natal em Retratos Fantasmas (2023), documentário que parte de sua relação pessoal com os cinemas de calçada para registrar a alteração e a degradação urbana.
Desde a Antiguidade a filosofia se dedica a pensar a estética, suas relações com a moral e a própria existência. Não vou convocar conceitos e especulações sobre a estética no cotidiano, menos ainda advogar a favor do belo – essa categoria subjetiva, questionável e relativizada pela modernidade. Quero apenas lembrar que tudo tem significado e intenção – e não se deve desperdiçar nenhuma oportunidade de contribuir para tornar o mundo mais tolerável em nossa breve passagem por aqui.
A despeito de imperativos práticos e utilitários, o anseio estético está presente quando se esculpe uma voluta no braço de uma cadeira, elimina-se de vista a fiação dos postes nas ruas, pendura-se um quadro na parede, plantam-se flores na floreira da sacada e até se acrescenta um meme de coração em mensagem do zap. A tal vontade estética nos é inata, vale mais pela intenção do que pelo resultado e manifesta-se mesmo nos contextos mais corriqueiros ou inóspitos. Não adianta argumentar que a urgência, a carestia, a instabilidade institucional, a desconfiança do mercado, o anticiclone tropical, a falta de recursos, de tempo, de talento são empecilhos para impregnarmos de expressão criadora todos os aspectos da vida.
Embrutecer não é uma opção.

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