
O saldo da jornada tumultuada na Câmara dos Deputadas
É preciso esclarecer quem, com o espírito antidemocrático de evitar o registro da remoção do deputado, determinou o desligamento do sinal da TV Câmara e mandou que a imprensa fosse retirada do plenário
Aconteceu de tudo entre a tarde de terça-feira e a madrugada de quarta na Câmara dos Deputados. Foram horas que forneceram ao país um retrato resumido da Casa. Combinaram passagens deploráveis, uma votação sobre um tema que divide os brasileiros e a aprovação de outra matéria de incontestável mérito por fechar o cerco a grupos econômicos desonestos que têm a sonegação como negócio e, não raro, servem para lavar dinheiro do crime organizado. Isolando-se os aspectos puramente legislativos, o saldo foi proveitoso.
O episódio deprimente envolveu o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que ocupou a cadeira do presidente da Câmara, Hugo Motta. Acabou retirado à força. Errou feio na forma de protestar contra o processo de cassação de seu mandato, que seria votado na noite desta quarta-feira. A atitude que tomou afronta a própria instituição. Mas os acontecimentos seguintes também macularam a história da Casa. É preciso esclarecer quem, com o espírito antidemocrático de evitar o registro da remoção do deputado, determinou o desligamento do sinal da TV Câmara e mandou que a imprensa fosse retirada do plenário. É obrigação apurar as circunstâncias que levaram seguranças do Legislativo a agredir jornalistas que só cumpriam o seu dever.
Se impõe reconhecer o feito mais positivo dessas horas insólitas, a aprovação do projeto de lei que pune os devedores contumazes
Dito isso, se impõe reconhecer o feito mais positivo dessas horas insólitas, a aprovação do projeto de lei que pune os chamados devedores contumazes. São empresas que não pagam impostos de forma reiterada e deliberada. Sonegam não por dificuldades, mas por ser essa a atividade principal da companhia. Quando não têm mais como fugir da ação dos fiscos, fecham ou entram em recuperação judicial. Os donos, logo adiante, criam um novo CNPJ para continuar a delinquir.
O caráter marcante reside no fato de que enfim foi aprovada uma pauta que se arrastava há oito anos. Tramitava lentamente no Senado até ser votada em setembro, após a Operação Carbono Oculto, que revelou um esquema bilionário de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis. O escândalo da Refit, a refinaria que não refinava, que estourou no final de novembro, deu o impulso final à matéria na Câmara. Agora vai à sanção presidencial. Em breve, existirão melhores meios de punir quem busca vantagem competitiva ilícita. A legislação fará justiça aos empresários que suam para pagar seus compromissos em dia e enfrentam concorrência desleal movida a sonegação.
Por outra razão, também teve significativa relevância a aprovação do chamado PL da Dosimetria, que reduz as penas dos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. O próximo passo é a análise pelo Senado. Trata-se de um meio-termo razoável entre penas em alguns casos exageradas e uma descabida anistia. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, em vez de seis anos em regime fechado, ficaria recluso por dois anos e quatro meses. Uma das mudanças foi deixar de somar as penas de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de direito.
Assim, espera-se que seja um capítulo logo encerrado e restem sepultadas quaisquer articulações para anular totalmente as punições pela tentativa inconteste de ruptura institucional. O Congresso tem agendas verdadeiramente importantes a enfrentar.
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