
Quatro por dia
Você pode me achar repetitiva, e serei mesmo. Os casos de feminicídio têm me tirado a paz. Ver as imagens da covardia de homens batendo e matando mulheres é como levar um soco junto com a vítima. É como estar no elevador em que Alex Santos espancou a namorada, no Morumbi, em São Paulo e a levou até o décimo andar. De lá ele atirou a jovem de 25 anos. Ele também chorou agarrado ao caixão. Levou flores ao túmulo antes de ser descoberto e preso. Também em um elevador, dessa vez de um prédio na zona sul do Rio, um turista americano deu socos na namorada. Assim como naquele caso emblemático de meses atrás, no Rio Grande do Norte, em que um troglodita deu 60 murros na namorada.
As câmeras já não inibem. Eles já perderam o medo da punição. Apenas enxergam um pedaço de carne do qual pensam que são proprietários. Depois lamentam, choram, dizem que não queriam ter feito o que de pior fizeram. O Congresso, a cada caso rumoroso, discute mais medidas. A sociedade quer vê-los presos. Tudo isso é legítimo. Avançaremos, no entanto, quando conseguirmos evitar as mortes e não apenas chorar por elas.
Antes do tapa, vem uma série de sinais. O soco é o ato que vem após as ameaças e palavras de desdém. O aperto no braço é um passo além do xingamento e da humilhação. Envolvida, a mulher deixa de notar o que olhando de fora é óbvio. Não percebe que a amiga que ele disse que é invejosa na verdade já entendeu o jogo dele e tentou alertar. Deixa de ver que a família poderia ajudá-la, e que não deveria se afastar de quem ama nem de quem era antes dele aparecer. Acha que o ciúme dos amigos e da roupa é sinal de amor. Acredita quando ele diz que vai mudar. Isso tudo não é culpa dela, embora ele faça parecer que é.
Mudar esse ciclo exige atitudes e não hashtags. Dar oportunidades e salários iguais para as mesmas funções é um começo, mas trago mais sugestões aos homens. Não se calar quando receber comentários machistas no grupo de WhatsApp. Não rir da piada que deprecia mulheres. Fazer sua parte nas tarefas domésticas. Criar meninos que saibam que precisam respeitar as meninas. Dar um basta em amizades de homens que se gabam de enganar suas companheiras. Sei que não será fácil. Muitos dirão que o amigão só tem um jeito de ogro, mas na verdade é inofensivo. Que era só uma brincadeira. Que já são homens evoluídos. Que a mulher andar na rua no escuro e com roupa curta é que tem culpa. Ou que elas provocam a fúria do homem. Essas desculpas todas a gente já conhece.
Os feminicídios são a última e mais horrorosa etapa de um sofrimento que se estende por meses, anos, uma vida inteira. Pela vida dos filhos e dos pais das vítimas. Pela sociedade, que deveria gritar por socorro e não deixar que gritemos sozinhas. Não tem solução fácil e que não demande mudanças culturais. Uma mulher morre a cada seis horas no Brasil pelas mãos de alguém em quem ela confiou. _
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