terça-feira, 14 de janeiro de 2025


14 de Janeiro de 2025
EM FOCO

RS tem três mortes diárias por causa de problemas com álcool

Dados do Ministério da Saúde, que não incluem acidentes de trânsito, indicam que 1.133 pessoas perderam a vida em 2023 no Estado por problemas relacionados ao consumo abusivo de bebidas. Principais causas incluem doenças do fígado, autointoxicação e transtornos. Homens são maioria entre as vítimas. Motivação é principal entrave para o tratamento

A cada 24 horas, três pessoas morrem no Rio Grande do Sul por questões de saúde (transtornos físicos ou mentais) relacionadas ao consumo abusivo de álcool. O dado é do Ministério da Saúde, que contabilizou 1.133 mortes desse tipo em 2023 no Estado.

O número é preliminar, ou seja, ainda está sujeito a mudanças por causa de novas atualizações, mas está em linha com a média anual observada de 2020 a 2022. Em 2024, foram 662 mortes até setembro.

São contabilizados nesses dados três causas principais de morte: doença alcoólica do fígado, como cirrose ou insuficiência hepática; autointoxicação voluntária por álcool; e transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool.

Por envolver somente problemas de saúde, o recorte não engloba mortes causadas por acidentes de trânsito decorrentes de consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

O chefe do Serviço de Psiquiatria de Adições e Forense do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Félix Kessler, observa que é comum que pacientes com problemas físicos ligados ao consumo abusivo de álcool sejam internados várias vezes, uma vez que a raiz do problema nem sempre é tratada: a dependência.

O tratamento de alcoolistas, segundo ele, requer que o próprio paciente ou a família constatem que o consumo do álcool está sendo prejudicial:

- Talvez o maior desafio ligado ao consumo de álcool seja a questão motivacional. Quase todas as doenças associadas a um comportamento são muito difíceis de tratar porque os hábitos são difíceis de quebrar - diz Kessler.

Ainda segundo o Ministério da Saúde, a cada 10 mortes por problemas de saúde relacionados ao álcool no Brasil, aproximadamente nove são de homens (veja ao lado). O dado é refente a 2022, último ano com números consolidados.

Embora historicamente mais prevalente entre homens, especialistas observam um aumento no consumo abusivo de álcool entre mulheres. Na análise de André Liedtke, diretor do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) Céu Aberto, no Centro Histórico de Porto Alegre, a diferença no número de óbitos se dá porque o número de mulheres que buscam tratamento é maior do que o de homens.

- O que as mulheres ainda têm de diferente em relação aos homens é que, como elas têm comportamentos menos agressivos na média, acabam não chegando às situações de vulnerabilidade, como situação de rua - avalia Liedtke. _

Produção: Fernanda Axelrud

"Eu bebia para me anestesiar"

Zero Hora foi recebida por membros do grupo de apoio Alcoólicos Anônimos (AA) da Cidade Baixa, em Porto Alegre, que se encontram todas as terças e sextas-feiras em uma sala na Igreja Sagrada Família. No Rio Grande do Sul, cerca de 210 grupos (dos quais aproximadamente 30 são em Porto Alegre) usam o modelo dos AA, caracterizado por seguir os mesmos 12 passos como método para alcançar a sobriedade.

A sala onde o grupo da Cidade Baixa se encontra reúne uma diversidade de rostos e passados. Entre padrinhos e apadrinhados, pessoas de diferentes classes sociais, gêneros, idades e crenças escutam enquanto, um a um, os participantes compartilham uma vivência, um desafio ou um desabafo sobre o alcoolismo. No ambiente, todos os participantes são alcoolistas em recuperação - inclusive a coordenação, composta por voluntários.

Uma das participantes do grupo, Camila, está sóbria há poucos meses. Vinda de uma família de alcoólicos, ela conta que era uma "bêbada doméstica" e que costumava comprar bebida para consumir sozinha em casa.

Apesar de não aceitar sua condição no início, ingressou no grupo por indicação da sua psicóloga. Para ela, a frequência no AA foi essencial para a desintoxicação.

O processo durou cerca de um mês, acompanhado da dificuldade de encarar a realidade:

- Eu bebia para me anestesiar. Tu para de beber, tuas emoções vêm à tona, tu enxerga todos os problemas que foi botando debaixo do tapete, como as relações que estão uma porcaria, porque sempre estiveram, mas quando estava bêbada aceitava qualquer coisa.

Camila conta que a perda do controle quando bêbada fez com que, em diversas ocasiões, pessoas ao seu redor se aproveitassem dela tanto em relações profissionais quanto amorosas e de amizade.

Amnésia

Para João, que é participante do AA há 40 anos, a amnésia alcoólica (incapacidade de recordar momentos ocorridos quando se estava bebendo) foi o fator decisivo para buscar ajuda:

- Eu estava bebendo num bar e acordava atirado num barranco sem camisa, sem tênis, sem nada. E o pior de tudo é que as pessoas te falam as coisas que tu fez, e tu não acredita até que 10 pessoas te falem a mesma coisa. Esse remorso de fazer coisas que tu não é assim te maltrata, te aniquila. _

Casos de recusa ao bafômetro disparam

Kathlyn Moreira

De janeiro a novembro de 2024, o Detran-RS registrou no Estado 20.550 multas por recusa ao teste do bafômetro, o que equivale a uma média de 1,8 mil por mês. Em todo 2023, foram contabilizadas 24.805 infrações do tipo.

Os dados do Detran unem informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM), que fiscalizam as estradas, das prefeituras e da Brigada Militar, que cuida de vias urbanas em alguns municípios.

Desde 2022, as multas por recusa têm sido superiores a 20 mil a cada ano, algo que preocupa a diretora institucional do Detran-RS, Diza Gonzaga.

- É muito significativo. Queremos tolerância zero. Não é possível que as pessoas não se conscientizem de que álcool e direção é uma dupla de morte. Quando você bebe, não perde só a timidez. Perde reflexo e percepção de distância, que são fundamentais na condução de um veículo - enfatiza.

Quem é flagrado com sinais aparentes de embriaguez ou tem a condição comprovada pela testagem é enquadrado no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, que proíbe dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

O artigo 165-A é o que enquadra quem se recusa a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar a influência de álcool ou outra substância psicoativa.

Somando as infrações por embriaguez com as de recusa ao bafômetro, o total de janeiro a novembro de 2024 ultrapassou 26 mil.

Os totais de multas por embriaguez e recusa ao teste em 2020 e 2021 - anos de pandemia, quando havia menos pessoas circulando - foram, respectivamente, 16.171 e 18.352.

Terminada a crise sanitária, o número cresceu. De 2022 para 2023, por exemplo, houve elevação de 15%, subindo de 27.964 para 32.142 infrações.

Pela legislação, testar positivo no bafômetro ou se recusar a realizar o teste configura infração gravíssima, prevendo multa de R$ 2.934,70. O condutor ainda tem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) recolhida e fica com processo de suspensão do direito de dirigir por 12 meses. 

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