sábado, 18 de janeiro de 2025

16/01/2025 - 14h32min
Paulo Germano

Ao atacar franceses por falta de banho, brasileiros dão aula de estupidez nas redes sociais

Crítica ao filme "Ainda Estou Aqui", publicada pelo Le Monde, enfureceu multidões nos últimos dias

Atuação de Fernanda Torres (D) foi contestada pelo jornal. - Alile Dara Onawale / Divulgação

Dizem que o debate de ideias sempre faz crescer. Tenho minhas dúvidas. Porque o debate de ideias só faz crescer quando as ideias são debatidas, não os debatedores. Você já viu, ultimamente, alguém debater ideias sem debater o debatedor?

O caso do filme Ainda Estou Aqui, por exemplo. Nesta semana, milhares de brasileiros inundaram a página do jornal francês Le Monde, no Instagram, com comentários furibundos sobre um artigo que criticava não só o filme, mas também a atuação de Fernanda Torres. Sabe qual era o principal argumento? Que os franceses não tomam banho.

Quem não toma banho não opina! — foi o mote de um turbilhão de respostas.

Quer dizer: o debate passava a ser os franceses, não mais a crítica ao filme. Sei que isso é comum, inclusive ocorre comigo. Se falo mal do governo, dizem que defendo interesses do patrão. Se falo bem do governo, perguntam quanto me pagaram para isso. A discussão é sempre sobre mim, nunca sobre o que eu disse.

— Esse é petista! — gritam uns.

— Lá vem o liberaloide! — protestam outros.Em muitos casos, é possível que minha opinião esteja errada, claro, mas por que não posso errar honestamente? Por que preciso errar com segundas intenções? Eu sei por quê: porque assim fica fácil discordar de mim — você "vence" a discussão sem sequer entrar nela. Não precisa de esforço algum, não precisa refletir, argumentar, aprender, ensinar, não precisa nem ler o texto, se não quiser.

E assim o debate público vira um espetáculo de vaidades. Ninguém ouve e todos falam. É um diálogo de surdos alimentado por algoritmos que recompensam o barulho e ignoram a profundidade. Mas o ataque pessoal quase sempre esconde um medo: o medo de que o outro tenha razão. Se você desqualifica o emissor, não precisa lidar com a possibilidade desconfortável de que o argumento dele seja mais sólido que o seu.

Qual é o problema se for? Discordar é diálogo, não batalha. A crítica do Le Monde talvez tenha sido injusta e rasa, mas quem saberá, se ninguém se deu ao trabalho de debatê-la? Perdemos, mais uma vez, a chance de crescer. Porque o debate de ideias, é verdade, faz crescer — mas só quando temos coragem de enfrentar o argumento, e não o argumentador. 

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