segunda-feira, 13 de janeiro de 2025


13 de Janeiro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Iná Jost

Coordenadora de pesquisa do InternetLab, centro independente de pesquisa interdisciplinar que promove debate e produção de conhecimento em direito e tecnologia aplicados à internet

"Nossa vida é efeito do poder econômico que as plataformas têm"

Advogada formada pela UFRJ, Iná Jost integrou por quatro anos o departamento eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA), coordenando missões de observação eleitoral nas Américas. Trabalhou como pesquisadora do laboratório Latinno, iniciativa que mapeia inovação democrática na América Latina.

Qual deve ser o efeito da mudança da política de checagem da Meta?

A primeira questão é que a Meta vinha, desde 2016, incrementando a política de moderação de conteúdo de modo a desfavorecer discursos de ódio, machistas, misóginos. Vinha em evolução. Havia reclamação e muito a melhorar, mas fez diferença. Um exemplo é a política sobre desinformação na área de saúde. Na pandemia, a Meta mudou e agregou essa política. Não existem dados sobre o resultado, mas foi importante quando as pessoas achavam que iam virar jacaré tomando vacina.

Isso deve desaparecer?

O comunicado fala em simplificação. Na prática, significa a retirada desses filtros criados nos últimos oito anos e mais permissividade em relação a muitos conteúdos. Não acredito que isso seja parte da liberdade de expressão. São discursos violentos que, ao contrário, reduzem a liberdade de expressão de outras pessoa, de grupos minoritários.

Como se manifesta?

A política já permite, por exemplo, a equiparação de mulher a propriedade. São genéricas, porque não há como prever todo conteúdo que vai circular. Para demonstrar a aplicação, as plataformas incluem exemplos que mostram como aplicar. Como é um discurso muito violento, estava incluído e foi retirado do exemplo, o que significa que está permitido. Outro exemplo retirado é a equiparação de pessoas trans a ?freak?, que em inglês é ?louco?, ?surtado?. É ainda pior do que doença mental, porque é uma palavra muito pejorativa. Isso ilustra para onde o vento vai soprar.

O que não era bom vai piorar?

Diante dessa mudança muito radical parece que o cenário anterior era ideal, e não era. Os filtros que existiam poderiam ser um problema e censurar de maneira errada, mas sua retirada piora muito. No jargão, a gente fala em "falso positivo", quando um conteúdo é retirado e não deveria, e "falso negativo", quando fica mas é problemático. Acontecia direto. A empresa tem um enorme desafio logístico, administra uma enxurrada de conteúdo. Mas ao menos existia uma tendência de colaborar com autoridades locais, contratar checadores locais.

Quando chega ao Brasil?

Quando, não se tem ideia. Mas parece estar desenhado para os próximos meses, talvez nos próximos anos. Promete ser uma escalada global, porque a Meta deixou claro que tem interesse em escalar.

Com a União Europeia (UE) quase isolada na regulação, vai se consolidar o "vale tudo" nas redes?

Não diria que a UE está isolada. A regulação importa e é um exemplo dentro de seus parâmetros e contexto. Mas vejo problema no discurso de trazer o DSA (Digital Services Act, nome da lei da UE aprovada em 2022) ao Brasil. Tem história e estrutura regulatória muito diferentes das nossas. É um grande exemplo, mas específico e local. E está em período probatório. Cada país tem muito o seu contorno.

Qual a chance de regulação no Brasil?

Existia forte vento do governo soprando a favor da regulação. Mas o Congresso é ruim de roda. Será difícil obter acordo político viável. O lobby das redes é muito forte, e o Congresso não está interessado, ou melhor, está interessado em não abordar o assunto. A Unesco tem diretrizes para regulação de plataformas. Mas depende muito da articulação com o Congresso.

Se quem vê às vezes os vídeos de Mark Zuckerberg se surpreendeu, qual a reação da comunidade digital?

Foi desconcertante. Nunca fui checadora, mas conversei com alguns e entendi que a Meta tinha um programa de padrão- ouro. Tem parceiros locais que recebem o conteúdo denunciado, checam e devolvem um link verificado. A plataforma decide se retira ou não. Mark fez confusão deliberada entre moderadores e checadores, deu a ideia de que estão interferindo. Mas quando devolvem o link, perdem o controle do que vai acontecer. 

Muita gente dos direitos digitais é cética sobre checagem porque é trabalho de formiga. É até ingênuo achar que vai resolver. Mas melhora o nível do que circula nas plataformas, dá ao usuário o direito de ver as checagens. Quem recebe conteúdo dizendo que Lula morreu depois da queda no banheiro pode receber um link verificado e pode ser que clique. É um direito.

O X perdeu relevância sob Elon Musk. As redes de Zu- ckerberg correm esse risco?

Algumas pessoas podem sair, ou deixar de usar. Mas a gente fica muito vendido. Nossa vida é um efeito do poder econômico que as plataformas têm, inclusive do monopólio. A mesma empresa é dona de aplicativo de mensagens, plataforma de texto e outra de conteúdo, além de inteligência artificial que responde a temas delicados, sobre política, por exemplo. São muitos serviços que uma mesma empresa domina. O Brasil é um mercado importante e tem usuários muito engajados, mas é difícil ter impacto financeiro grande a ponto de rever a mudança. É um mercado em reais, o que reduz seu peso. Diante de moeda mais desvalorizada, fica mais barato. E se comparar com o mercado nos EUA, então...

Se a decisão foi provocada pela reeleição de Trump, pode mudar de novo em quatro anos?

Nunca diga nunca. Pode mudar, como já mudou. As decisões corporativas são sempre muito pautada nas razões econômicas. E esse liberou geral interessa aos cofres das empresas. Como pessoa física, acho difícil voltar a pasta de dente para o tubo. 

GPS DA ECONOMIA

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