sábado, 2 de maio de 2020


02 DE MAIO DE 2020
VARIANDO

A bagunça tem seu preço

Quando acordou, a louça ainda estava lá. Havia pratos e copos em todos os cômodos. A falta de visitas fez Antônio afundar na bagunça doméstica. Igual, estava de mau humor. Uns dias antes da pandemia, para sorte de ambos, separou-se da Raquel. Antes de a relação azedar de vez, ela tomou rumo.

Apenas um canto limpo na casa destacava-se. Era o cenário das videochamadas da empresa. Uma camisa branca, sempre a mesma, o esperava na cadeira. No resto do dia, trabalhava de pijama. A alimentação era telentrega de algo engordurado. Mas Antônio não estava mal. Havia uma ponta de felicidade em refestelar-se nesse ninho de rato. Gostava dessa irresponsabilidade temporária. Sabia que era uma fase. Curtia férias da vida adulta regrada.

Toca o celular. É Karen, sua amiga e confidente da vida inteira. Amiga por força alheia. Ele tentou mil vezes algo a mais e era rechaçado. Ela o queria como o irmão que não tinha.

Karen era uma sombra na sua alma e o objeto de ódio de todas as suas ex-namoradas. Algo entre eles era mal resolvido. Atende sem saco para a chorumela da também recente separação dela. Mas a conversa era outra.

Karen confessa estar enlouquecendo na casa dos pais e pedia para fazer a quarentena juntos. Dizia que talvez fosse o momento de tentarem o que nunca se permitiram. Antônio tem um segundo de êxtase antes de se dar conta de que não tinha uma só cueca limpa. Toda sua roupa fedia. O apartamento era uma Disneylândia para baratas, um depósito de caixas de pizza e latas de cerveja vazias. Karen tinha mania de limpeza.

O cérebro de Antônio bolou um plano para ganhar umas horas. Urgia uma blitzkrieg de sabão. Concordou e disse estar muito feliz. Mas pedia que ela dormisse com a ideia, que não fizesse no impulso. Se acordasse com o mesmo pensamento, viesse no outro dia cedo. Ela deu certeza de que iria.

O primeiro problema era conseguir material de limpeza. Mas quem tem latões de Polar em casa tem dólar. Saiu no escambo com os vizinhos e conseguiu de tudo. Começou com as maquinadas de roupas, e as idas ao contêiner de lixo. Deixou para o fim a louça e arrematou com um pano no chão na casa inteira.

Seis horas depois estava no chuveiro recuperando as forças. Faltava passar e secar alguma roupa, mas isso era barbada. Difícil seria dormir. Não dormiu. Talvez um cochilo. Estava muito excitado. Preparou um café e esperou o telefone tocar.

Às sete horas, Karen ligou exultante. Disse que ele era realmente um grande amigo, um tesouro. A prova era que ele não se aproveitou de um momento de fraqueza dela, que poria a perder a maravilhosa amizade deles.

Antônio engoliu a voz. De qualquer forma, Karen tinha que desligar. Ela e Roberto decidiram dar-se mais uma chance. Ela estava chegando lá. Moral da história: mantenha a casa limpa. É o destino que escolhe o dia, não você.

MÁRIO CORSO

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