21 DE DEZEMBRO DE 2019
VARIANDO
Quando o filho desaparece
O menino notou que o pai estava ocupado com a nova namorada e não prestava atenção nele. Era domingo, dia de estar com o pai, mas desta vez o que menos acontecia era estar com ele. Todos os olhos de seu pai eram para essa mulher que ele não conhecia e já odiava.
Teve um impulso. Abandonou o parquinho. Primeiro lentamente e, depois de uns metros, quando já não seria visto ou ouvido, correu. Olhou mais uma vez, eles não notaram a fuga.
Sabia apenas que iria para casa. Conhecia o parque da Redenção e tinha uma ideia da direção da casa onde morava com a mãe. Talvez não fosse suficiente para voltar, mas não havia racionalidade, só fuga de algo insuportável.
Em instantes estava na João Pessoa. Uma avenida ainda sem nome para ele, um obstáculo imenso a ser transposto. Percebeu que uma família e mais um casal esperavam para atravessar. Postou-se junto a eles mimetizando-se ao grupo. Acompanhou os passos e alcançou a travessia.
Do outro lado do oceano das avenidas era mais fácil. Conhecia as ruas onde passeava com sua mãe. Entrou na Rua da República e seguiu já confiante do sucesso da missão. Nunca atravessara ruas sozinho, mas as próximas eram fáceis, carros de um só lado e havia sinaleira. Entrou na Lima e Silva como quem já se sente em casa.
Precisava vencer outra enorme barreira: como entrar no edifício. Não alcançava o porteiro eletrônico. Como a sorte ajuda os intrépidos, não demorou para alguém sair e ele pode esgueirar-se prédio adentro. Subiu pelas escadas.
Bateu na porta e a mãe abriu. Ela perguntou pelo pai. Ele disse que ele já foi. A mãe, como não fazia nenhuma questão da presença, nem reclamou.
Foi ver TV sentindo fundo o peso da fuga. Não sabia por que fizera aquilo. Mas sabia que estava errado.
A partir disso a memória fica confusa. Lembra da mãe atender a um longo telefonema. Depois lhe perguntar o que ele fizera para o pai chorar desesperado dizendo que não sabia onde ele estava.
Duas décadas se passaram. Precisou ser pai para conversar pela primeira vez com seu pai sobre o episódio e lhe pedir desculpas. O pai disse que aquele desaparecimento lhe proporcionou o pior dia de sua vida. Mas que ele errou e mereceu a lição.
Na verdade, nenhum pai merece o abismo que se abre na alma quando um filho desaparece, por minutos, ou por uma angustiante hora-século.
Só agora, quando a ideia da ausência do próprio filho lhe produz pânico, ele compreendeu que punira um ladrão de galinhas com a pena capital. Os filhos sabem ser cruéis por motivos menores.
Não há culpados nesta história. São acidentes do amor. As famílias têm suas histórias de desencontros e suas pequenas tragédias, que sabem ser traumáticas. Esta foi uma delas.
MÁRIO CORSO
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