11 DE DEZEMBRO DE 2019
CIÊNCIA
Projeto inédito quer desvendar a fundo o DNA de 15 mil brasileiros
No futuro, será possível prevenir e tratar doenças de forma mais precisa com base no conhecimento que será construído.
Um projeto chamado DNA do Brasil vai estudar a fundo o DNA de 15 mil brasileiros e promete colocar o país no mapa global dos estudos genômicos. A iniciativa foi oficialmente lançada ontem. A ideia é que, no futuro, seja possível prevenir e tratar doenças de forma mais precisa com base no conhecimento que será construído.
Genoma é o nome que se dá ao conjunto de todo o material genético de um organismo, uma espécie de livro de receitas da vida para características como altura, formato do pé, suscetibilidade a infecções, tendência a ter doenças e resposta ao tratamento com certos remédios, entre muitas outras.
Os brasileiros que terão o DNA analisado já fazem parte de outro projeto, o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), que desde 2008 acompanha a saúde de funcionários públicos, de 35 a 74 anos, em seis cidades brasileiras - São Paulo (USP), Belo Horizonte (UFMG), Porto Alegre (UFRGS), Salvador (UFBA), Rio de Janeiro (Fiocruz) e Vitória (UFES).
O objetivo do Elsa é investigar, ao longo de 20 anos, os fatores por trás de doenças crônicas. O estudo já contou com aporte de mais de R$ 60 milhões dos ministérios da Saúde e de Ciência e Tecnologia. Embora os funcionários públicos não representem de maneira ideal a população brasileira, eles tendem a permanecer na cidade onde o estudo começou e por isso foram escolhidos para participar de estudo sobre doenças crônicas, que costumam demorar a aparecer.
Anualmente, apenas 0,8% dessas pessoas se mudam, contra mais de 10% da população em geral, explica Paulo Lotufo, um dos coordenadores do Elsa. Ao combinar os dados do genoma dos brasileiros com os dados clínicos, será possível investigar como pequenas alterações do DNA são capazes de influenciar o surgimento de doenças como diabetes e de eventos como ataques cardíacos.
Em todo o mundo, diversas iniciativas parecidas estão em andamento. Cerca de 1 milhão de indivíduos tiveram seu DNA mapeado em países como EUA, China e Coreia do Sul, além de 500 mil no Reino Unido e de 350 mil no Qatar, para citar os maiores.
Segundo Lygia da Veiga Pereira, professora da USP e uma das responsáveis pelo projeto, a miscigenação brasileira é um fator importante para tocar um projeto assim aqui. Quase nenhum outro lugar do mundo tem um DNA tão misturado, com componentes europeus, africanos e indígenas. Cerca de 80% dos genomas sequenciados no mundo são de origem europeia, outra boa porção é asiática - os latino- americanos são sub-representados.
Algumas doenças estão ligadas à fração indígena do DNA, muito frequente entre os brasileiros. É o caso de ataxias, doenças causadas pela degeneração do sistema nervoso. Já o DNA de origem africana pode abrigar a propensão a desenvolver hipertensão e câncer de pulmão, por exemplo. Sem uma análise meticulosa do mosaico que é o DNA do brasileiro, especificidades da população acabam não sendo levadas em conta na investigação de doenças e podem resultar em tratamentos tóxicos ou ineficazes para essa população.
Investimento
Apesar do apelo, não foi fácil conseguir recursos para o projeto, segundo Pereira. Mesmo mostrando interesse pela ideia, a indústria farmacêutica não investiu nela:
- Essa é uma oportunidade para a indústria farmacêutica fomentar a pesquisa e o desenvolvimento dentro das próprias empresas. É uma oportunidade para a farma brasileira parar de fazer só medicamento genérico e fazer inovação.
A Dasa, companhia de medicina diagnóstica, vai pagar por 3 mil sequenciamentos dos 15 mil previstos e investir R$ 6 milhões em um sequenciador, aparelho responsável por "soletrar" o DNA, decifrando a ordem dos mais de 3 bilhões de letrinhas que o compõem. A Illumina, fabricante do equipamento, fornecerá insumos para o processamento das amostras. Ainda não há recursos para os 12 mil sequenciamentos remanescentes.
O preço por teste restante deve ficar em US$ 600 dólares (R$ 2,5 mil), abaixo do praticado no mercado. Há 20 anos, sequenciar um genoma humano custava cerca de US$ 100 milhões.
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