28 DE DEZEMBRO DE 2019
J. J. CAMARGO
ATÉ O AFETO É UMA SURPRESA PREVISÍVEL
OS TRÊS TIPOS DE AMIGOS COM OS QUAIS A GENTE TROCA MENSAGENS DE WHATSAPP NAS FESTAS DE FIM DE ANO
Existem formas de seleção de criatividade, reconhecidas e louvadas em todo o mundo. Uma delas é a invejável capacidade de recriar festas diferentes sobre temas tradicionais, tornando-as inesquecíveis. Como as festas se repetem, e as preocupações da vida real não deixam tempo de sobra para as celebrações, mesmo que quiséssemos não conseguimos ser criativos todos os dias, o que de certa forma explica aquela nostalgia do fim da comemoração de Natal, uma espécie de ressaca da alegria mais prometida do que entregue.
Como o abraço vem sendo progressivamente substituído pelo WhatsApp, na segunda metade da festa, quando todos já se convenceram que de abraços era o que tínhamos, entra em cena a caçada afetiva, com cada um iluminado pelo visor do smartphone, à cata das mensagens que espera-se justifiquem a euforia que começou lá atrás, quando se descobriu que o Natal, além do mais, seria um maravilhoso feriadão.
O passeio virtual então revela os três tipos de conhecidos, com graus completamente diferentes de amizade. E é bom ter cuidado com essa palavra, porque só uns raros felizardos têm mais amigos do que as estações do ano. Ainda que os critérios de seleção sejam aleatórios, a espontaneidade das mensagens deve ser um deles, falível talvez, mas que pela frequência com que se repete, precisa ser, ao menos, considerado.
No primeiro grupo estão aqueles poucos queridões, que tomam a iniciativa e adoçam nosso ego com as declarações de amor que sempre quisemos verdadeiras, e que quando estamos deprimidos ou solitários, pouco importa-nos que pareçam exageradas. Afinal, é pela afirmação desses afagos que sobrevivemos ano pós ano, e entendemos essas festas como oásis de afeto no grande deserto da reciprocidade neste moderno império da individualidade.
No segundo grupo, bem mais numeroso, mas menos constante, estão aqueles parceiros que se mantiveram em silêncio até que uma chamada nossa os despertou, e então foram capazes de mensagens muito generosas e, às vezes, tão intensas que, se tivessem sido espontâneas, multiplicariam a contagem dos amigos, equiparando-os, quem sabe, aos meses de cada ano. De qualquer maneira, é recomendável cultivar esta turma, como uma espécie de reserva técnica, até porque não sabemos quanto tempo viverão os amigos da primeira hora, e ninguém quererá descobrir, no último dia, que foi escalado para apagar a luz, fechar a porta e colocar a chave embaixo do tapete.
O terceiro grupo é formado por todos os outros conhecidos que recebemos da vida, como promessas não alcançadas ou, desde logo, como certeza de frustração. Depois do tempo desperdiçado em conquistá-los, foi um alívio descobrir que era impossível, lembra? Então sossegue, a qualidade das relações amorosas é mais importante do que o número. E não se esqueça de que, na escala afetiva, o falso estará sempre abaixo do zero.
Então, enquanto espera a próxima festa, confiando que estará aqui para repeti-la, com alegria ou enfaro, abrace os amigos verdadeiros e repita o quanto você precisa deles, até que acreditem. Chame para mais perto os do segundo grupo e dê a eles o crédito de que, talvez, se tivessem sido mais valorizados, ascenderiam na escala do carinho recíproco.
E esqueça os do terceiro grupo, eles não são confiáveis e não há nada que possa ser feito para mudar a opinião que têm ao seu respeito. Mas não se deprima, em todo este tempo que se mantiveram distantes eles não sentiram a sua falta, mas você teve o mesmo tempo para descobrir que eles não são imprescindíveis. Então Feliz próximo Natal, para eles também!
J. J. CAMARGO
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