28 DE DEZEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
Ao Quintão! Ao Quintão!
O nome dela era Sândi. Outra namoradinha que tive. Ela também ia para a praia no verão, como a Alice, sobre quem escrevi na sexta-feira, só que para um lugar mais acessível: o Quintão. Nessa época, em que nós pegávamos carona para ir a Tramandaí, eu e Sândi já não namorávamos mais. Mesmo assim, sempre havia certa tensão sensual entre nós, uma troca de olhares mais longa, uma insinuação de promessas.
Pois foi exatamente isso, uma insinuação de promessas de Sândi, que me fez ter aquela ideia que julguei genial, num fim de semana árido em Tramandaí, um daqueles finais de semana em que nós pensávamos que as festas sempre aconteciam onde não estávamos. É que eu a encontrara dias antes na calçada da Coorigha, na baixada da Plínio Brasil Milano. Era um fim de tarde e Sândi era loirinha e ela me mandou um olhar verde-azulado e miou:
- Neste fim de semana, vou estar com um monte de amigas em minha casa no Quintão. Se tu e os guris quiserem ir pra lá?
Depois de contar sobre esse convite, pus o dedo em riste e convoquei os guerreiros:
- Ao Quintão!
E eles, em uníssono:
- Ao Quintão! Ao Quintão!
- Cara? as amigas da Sândi! - o Plisnou esfregou as mãos, antecipando as festas inenarráveis que faríamos.
- Gol do Brasil! - comemorou o Fernando.
E todos juntos:
- Ao Quintão! Ao Quintão!
Sim! Finalmente estaríamos onde estariam as festas!
Mas como chegaríamos ao paraíso, se não tínhamos carro nem dinheiro para o ônibus?
- Usem a lógica! - disse o Barnabé: - Quintão é praia, praia fica no Litoral, o Litoral é a faixa de areia. Vamos pela areia!
- Boa ideia! - festejou o Sérgio Baixinho.
- Não é longe? - perguntou o Fernando. - Eu tenho que carregar essa barraca?
O Fernando era o encarregado de levar a barraca naquele fim de semana.
- Deve ser uns quatro ou cinco quilômetros - arriscou o Jorge.
- No máximo, seis ou sete - completou o Plisnou.
- Então, vamos! - animou-se o Baixinho.
- Ao Quintão! Ao Quintão!
E lá fomos nós, para a areia, todos com mochilas nos ombros, e o Fernando com a mochila e a barraca. Saímos caminhando à margem do oceano.
- Vocês têm certeza de que Quintão é nessa direção? - perguntei.
- Ei! - gritou o Barnabé para um senhor gordinho de calção vermelho. - Quintão é nessa direção?
- É! - respondeu o homem.
Agradecemos e fomos. E fomos e fomos e fomos. Avançávamos contentes, imaginando como seria a integração com as amigas da Sândi.
- Vamos fazer um luau! - propôs o Plisnou.
- Boa! - concordou o Fernando, arfando debaixo da barraca. - E, à meia-noite, vamos convidar as gurias pra tomar banho de mar!
- Todos pelados! - acrescentou o Barnabé.
- Ninguém é de ninguém! - gritou o Baixinho.
- Ao Quintão! Ao Quintão!
Fazia um sol forte, fortíssimo. Depois de alguns minutos, a quantidade de pessoas na areia começou a diminuir. Foi diminuindo, até que restávamos só nós e o mar.
- Acho que eu e Sândi podíamos retomar o namoro? - falei.
E passei a planejar mentalmente o meu novo romance com Sândi. Ah, o verão! "Summer loving had me a blast", como diria o Travolta.
- Vai ser uma loucura! - gritou o Plisnou.
- Será que falta muito? - gemeu o Fernando, debaixo do saco em que estava a barraca.
Olhamos para frente. Areia e areia e areia, como se estivéssemos no Saara. Nem uma sombrinha à vista. Caminhamos por, sei lá, duas horas mais, que pareciam dois dias.
- Tenho de descansar - avisou o Fernando, atirando a barraca no chão. - Não aguento mais.
- Frouxo - disse o Barnabé.
Sentamos na areia. Estávamos todos exaustos, essa era a verdade. Sentíamos sede também. E fome. E alguns já se queixavam de queimaduras do sol.
- Vamos todos ter insolação - uivou o Fernando.
Passados alguns minutos, dei um salto:
- Temos que ir ao Quintão!
- Ao Quintão, ao Quintão? - eles repetiram, mas sem o entusiasmo de antes.
Nos levantamos. Seguimos em frente. O Fernando resmungava o tempo todo. O Barnabé brigava com ele. Então, um senhor de cabelos brancos e pele curtida do sol, com um caniço na mão, surgiu detrás de um cômoro.
- Com licença? - pedi. - Ainda falta muito para o Quintão?
Ele arregalou os olhos.
- Nossa! Faltam uns 50 quilômetros! E é para o outro lado! - apontou para o ponto de onde tínhamos vindo. - Meu Deus! E onde nós estamos? - Presidente!
Presidente? Que lugar era aquele, Presidente? Não sabíamos. Só sabíamos que não era o Quintão. O gordinho de calção vermelho havia nos enganado. Bem, ficamos em Presidente. Sem dinheiro, sem comida, sem bebida, sem mulheres. Passamos a noite imaginando que, no Quintão, havia uma casa cheia de garotas que se perguntavam:
- Onde estarão eles? Onde estarão? Era assim mesmo, já estávamos acostumados: no verão, a festa sempre acontecia em outro lugar.
DAVID COIMBRA
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