19 DE DEZEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
A noite cor de laranja
A neve torna a noite cor de laranja. Não sabia disso. Fui aprender ao morar aqui, no Setentrião. Tem coisas que a gente só entende, de fato, vivendo. A neve é um bom exemplo. Estando longe ou experimentando por somente alguns dias, a passeio, você vê que a neve é linda e deduz que dá trabalho lidar com ela, mas certas peculiaridades só são compreendidas na rotina, com os afazeres do dia a dia.
Eu, que moro em prédio de apartamentos, não fico afanado por causa da neve. Quem mora em casa, sim. Os moradores das casas precisam remover uma faixa de neve de 60 centímetros de largura ao longo de suas calçadas. É o caminho pelo qual passam as pessoas. Se a remoção não é feita e se alguém escorrega e cai, o dono da casa pode ser responsabilizado judicialmente, o que, nos Estados Unidos, talvez seja bem desagradável. Essa é uma República judicial, sempre digo. A Justiça rápida, eficiente e severa regula as relações da sociedade.
No leito das ruas, quem cuida de tirar a neve é a prefeitura, que contrata camionetes e tratores equipados com uma espécie de grande pá na parte dianteira. Outro dia, conversei com um brasileiro que comprou uma dessas camionetes exatamente para prestar serviço para a prefeitura no inverno. Ele contou que, num período de tempestade, trabalhava o dia inteiro e chegava a ganhar mil dólares por jornada.
Nesta semana nevou bastante por aqui. Na terça-feira, todo o dia. Tudo bem, calcei minhas botas Ugly, minha japona de esquiador, meu chapéu de Shackleton e saí por aí. Fui ao supermercado e comprei os ingredientes para preparar o meu famoso puchero, que fica denso como a filosofia de Kant. Vou te contar: nada melhor, para enfrentar uma noite de nevasca, do que um puchero, um Malbec e um sistema de aquecimento central.
Assim, fui dormir satisfeito, e nevava sem cessar. Às três da madrugada, acordei e permaneci alguns minutos na cama, de olhos abertos, escutando o silêncio. A neve abafa os sons - isso foi algo que também aprendi aqui. Então, a noite, usualmente quieta, estava ainda mais quieta. Passei algum tempo deitado, sem sono, até que, por fim, decidi levantar e olhar a rua da minha janela. Caminhei até a sala, onde há uma porta dupla envidraçada. Por ali, espiei. Não nevava mais.
Uma grande Lua amarela boiava no céu limpo, sem uma única nuvem. É essa luz da Lua e das estrelas, refletida pelo cobertor branco de neve que cobre a cidade, que dá à noite uma tonalidade dourada. Era madrugada, mas parecia o entardecer. Fiquei olhando para aquela paisagem. Nada se movia, nada emitia som, tudo tinha a cor de caramelo da pele da morena. Era bonito, muito bonito, e foi isso que murmurei para mim mesmo, parado ali, sozinho, de pé:
Uma grande Lua amarela boiava no céu limpo, sem uma única nuvem. É essa luz da Lua e das estrelas, refletida pelo cobertor branco de neve que cobre a cidade, que dá à noite uma tonalidade dourada. Era madrugada, mas parecia o entardecer. Fiquei olhando para aquela paisagem. Nada se movia, nada emitia som, tudo tinha a cor de caramelo da pele da morena. Era bonito, muito bonito, e foi isso que murmurei para mim mesmo, parado ali, sozinho, de pé:
- Que bonito? E aí sorri e voltei para a cama e fui dormir. Em paz.
DAVID COIMBRA
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