terça-feira, 17 de dezembro de 2019



17 DE DEZEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA

A lua de 2020

O ano de 2020 vai começar em lua nova, informou-me a TV. Achei importante. Não que acredite em astrologia. Não acredito. Mas lembrei da minha mãe. Quando éramos pequenos, eu e meus irmãos, ela é que cortava nossos cabelos e, para fazer isso, sempre observava a fase da lua.

- Ah, não, não vou cortar o teu cabelo na lua cheia, senão vai ficar desse tamanhão. Lua cheia, cabelo cheio. Faz sentido. Se não me engano, não era bom cortar o cabelo na lua minguante. Também faz sentido. A lua minguante tem péssima fama.

No fim de março de 1964, os militares brasileiros estavam discutindo o dia em que derrubariam João Goulart da Presidência da República. Havia todo um debate logístico e político a respeito de qual seria a melhor data para dar o golpe. Aí o general Carlos Guedes fez uma intervenção decisiva. Foi uma grave advertência:

- Nada que se faz na lua de quarto minguante dá certo! Ou seja: o novo regime não poderia começar entre os dias 2 e 8 de abril daquele ano, período do temível quarto minguante. Donde, 31 de março, impreterivelmente 1° de abril.

Tinha posições firmes esse general. Ainda em 1964, ele formulou uma declaração cheia de significados, durante uma entrevista na TV:

- Nós devemos amar a Deus. E, se não amarmos a Deus, devemos temer a Deus. De modo que aqueles que não amam a revolução, ou a situação que foi imposta, pelo menos devem temê-la. Porque nós saberemos, se necessário, impô-la.

Em apenas duas sentenças foi apresentado o perfil do general: era um homem que acreditava em astrologia, que acreditava em Deus e que acreditava no medo como instrumento de governo.

Como esse general era muito crédulo, talvez também acreditasse em fantasmas e espíritos malignos, que, segundo a tradição popular, se libertam de suas dimensões sombrias exatamente nas noites de lua minguante.

É provável que, na minha vida, eu tenha cometido a temeridade de inaugurar empreendimentos em tempo de lua minguante, bastante provável, porque, confesso, nunca sei por qual lua estamos passando. É uma falha terrível, corrigida tão somente pela própria lua, não por mim. 

Como aconteceu na semana passada. Fazia um dia não muito frio, a temperatura estava positiva e o céu aberto. Ao entardecer, eu caminhava pela Beacon Street, uma das principais avenidas da cidade. Então, olhei para o horizonte e vi, lá longe, ao lado do prédio icônico do Prudential Center, a maior Lua da minha vida. Quase não acreditei. Era uma bola gigantesca e amarela boiando no céu cor-de-rosa.

- Meu Deus! - exclamei. E saquei do celular. Não para tirar uma foto, mas para ligar para a Marcinha, que também estava na rua.

- Corre aqui pra Beacon, na Coolidge Corner, pra ver a Lua!

- A Lua? - A Lua! Corre! Ela veio correndo. Mas demorou uns cinco minutos, e foi o que bastou para a Lua encolher um pouco. No instante em que ela chegou, olhou para o alto e se emocionou:

- Mas está linda! - Estava mais antes? Depois disso, segui em frente e, enquanto andava, deparava com pessoas filmando e fotografando a Lua. E rindo. Estavam todos contentes com o espetáculo da natureza.

A Lua tem mesmo o seu poder, pensei. Minha mãe está certa.

Assim, considero alvissareiro que 2020 nasça em meio à lua nova. Não que todas as novidades sejam necessariamente boas, mas a renovação sim. Porque mais novos nós não vamos ficar, mas pelo menos teremos a oportunidade de fazer de novo.

DAVID COIMBRA

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