27 DE DEZEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
Os sem-praia
Chegava o verão e Porto Alegre inteira se mudava para a praia. Menos nós. Na verdade, estou exagerando. Nem toda a cidade ia para a praia. Alguns ficavam e passavam os dias quentes se repoltreando nas piscinas dos clubes.
Menos nós. Nós, que digo, éramos eu e meus amigos do IAPI, uns reles sem-praia e sem-piscina. Aí, o que fazíamos era vagabundear pelo bairro e jogar bola nos finais de tarde, quando o sol baixava, ou se chovia. Nós gostávamos de jogar bola na chuva.
Mas eram dias de pachorrenta melancolia. A imprensa também se mudava para o Litoral e fazia coberturas especiais diretamente da faixa de areia. A gente sabia que era lá que a vida estava acontecendo. Todas aquelas mulheres de biquíni, as festas, a animação, peles quentes e cervejas geladas, e nós víamos tudo apenas pela TV e pelas fotos dos jornais, aquele mundo era inacessível.
Os verões se tornavam uma frustração para nós todos e para mim em especial.
Por causa da Alice.
A Alice era a minha namoradinha. Os pais dela, suponho, ganhavam bem, porque eles tinham telefone em casa - ninguém tinha telefone em casa na nossa turma. Mais ainda: o pai dela tinha um Fusca verde - ninguém tinha carro na nossa turma.
Acontece que, assim que as aulas terminavam, a família da Alice entrava naquele Fusca verde, com a Alice dentro, e rumava para um outro planeta, chamado Imbituba. Todos os verões, eles iam para Imbituba, saíam em dezembro e só voltavam em março.
Eu, na Porto Alegre incandescente, sem piscina nem praia nem namorada, num tempo sem internet nem WhatsApp nem celular, passava três meses me perguntando: mas o que é que está acontecendo agora mesmo na Ptsrr#$% de Imbituba?
Oh, Deus, eu sofria só de imaginar. Quando voltava, em março, a Alice estava bronzeada e sorridente de um sorriso distante. Seria um sorriso de lembranças? Eu, com muito tato, perguntava:
Como foi? lá? Em? Imbi? tuba?
Ela dava de ombros:
Ah, tudo normal.
Normal? NORMAL??? O que era normal? Eu não perguntava mais. Certas coisas, melhor não perguntar.
Só que nós crescemos, essa é a boa notícia. Ao romper da adolescência, o que decidimos fazer nós, os sem-praia? Ir para a praia! Vamos nos tornar praianos!
O problema é que não dispúnhamos de verba, a maioria trabalhava de office-boy ou nem trabalhar, trabalhava. Então, como usufruir das delícias da orla? Obviamente, contando com a boa vontade de nossos semelhantes.
Foi aí que se iniciou uma era em que íamos para a praia de carona em todos os finais de semana do verão.
Naquela época, era possível dar e pegar carona. Assim, no sábado de manhã bem cedinho, nós jogávamos nossas mochilas nas costas e tomávamos um ônibus que deslizava pela Assis Brasil até perto da Fiergs. De lá, caminhávamos para a freeway e nos dividíamos em pares, vários pares, às vezes 10 ou 20 grupos de dois. Em duas, no máximo três horas, estávamos em Tramandaí.
Porém, ah, porém, a realidade não era tão dourada quanto aparecia na mídia (essa mídia!). Para entrar nas festas, era preciso pagar e as mulheres sinuosas não estavam tão disponíveis como achávamos. Era uma luta, portanto. Era necessário esforço. Num desses finais de semana, a batalha estava mais árdua do que o normal, tudo dava errado, até que eu tive uma ideia. Qual ideia? Terei de contar amanhã. Aguarde.
DAVID COIMBRA
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