quinta-feira, 19 de dezembro de 2019



19 DE DEZEMBRO DE 2019
RETROSPECTIVA 2019

Entre Coringa, cangaço super-heróis e gângsteres

Bacoringa, figura híbrida que ilustrou o cartaz de uma festa na Capital, foi inspirada em personagens de dois filmes cujos personagens deram o que falar em 2019: Coringa, na produção americana homônima, e Lunga, o cangaceiro redentor do longa brasileiro Bacurau. Cada um a seu modo, ambos provocaram reações de catarse nas plateias em suas reativas jornadas de violência. E a violência perpassa também outros dois filmes badalados da temporada: Parasita e O Irlandês, este simbolizando mais um passo da plataforma de streaming Netflix entre os gigantes da indústria cinematográfica.

Veja alguns destaques da temporada em que o cinema brasileiro viveu entre os extremos do reconhecimento internacional, com os prêmios no Festival de Cannes para Bacurau e A Vida Invisível, e as incertezas relacionadas a sua gestão pelo governo federal.

O salto da plataforma

Quando apresentou na mostra principal do Festival de Veneza de 2015 o seu primeiro longa-metragem de ficção, Beasts of No Nation, a Netflix mostrou que, além do entretenimento doméstico, queria figurar entre os grandes, alguns deles centenários, estúdios de cinema. A plataforma de streaming atraiu para seus projetos diretores e atores de prestígio e passou a emplacar concorrentes nos mais importantes festivais de cinema. Mas ainda encara alguma resistência com seu modelo de distribuição: a passagem dos filmes pelo circuito é breve e discreta, o suficiente para credenciá-los aos prêmios da temporada. 

Depois da consagração de Roma (2018) - Leão de Ouro em Veneza, dois Globos de Ouro e três Oscar -, a safra cinematográfica de 2019 da Netflix tem como grande destaque O Irlandês, novo épico de gângsteres assinado por Martin Scorsese, que desponta nas premiações de melhores do ano - concorre a cinco Globos de Ouro e deve chegar com força ao Oscar. Dois Papas e História de um Casamento são outros representantes da Netflix nas celebrações cinematográficas de 2019/2020.

Ultimato nas bilheterias

O expediente que Vingadores - Ultimato usou para se tornar o filme com maior arrecadação de todos os tempos, com US$ 2,79 bilhões, não foi muito bem recebido por fãs e críticos: só passou os US$ 2,78 bilhões de Avatar (2009) após ser relançado com cenas extras irrelevantes, pouco depois de encerrar sua passagem pelo circuito. O blockbuster da Marvel celebra um muito bem-sucedido e alinhavado ciclo de filmes com os super-heróis da editora de quadrinhos, juntos e em aventuras solo, que teve início em 2008 com Homem de Ferro e ganhou como epílogo, também em 2019, Homem-Aranha: Longe de Casa.

Quem parasita quem

O diretor sul-coreano Bong Joon Ho é mestre na abordagem de uma temática que de certa forma lhe é recorrente, mas apresentada em registros inventivos e diversos. Um dos filmes mais premiados do ano, Parasita combina a crítica social aguda com diferentes gêneros cinematográficos, da comédia ao suspense, transitando entre a ternura e a violência. Acompanha uma família de desempregados infiltrando-se na vida de uma família rica, que, por sua vez, deixa claro o abismo que os separa. O autor de obras aclamadas como O Hospedeiro (2006) e Expresso do Amanhã (2013) conquistou com Parasita a Palma de Ouro no Festival de Cannes e ruma como favorito ao Oscar de melhor filme internacional - antes deve levar o Globo de Ouro na categoria (concorre também em direção e roteiro).

Indústria de reciclagem

O investimento que a Disney tem feito para reviver em "carne e osso" suas animações clássicas encontrou na safra 2019 um curioso paradoxo. A versão de Rei Leão (1994) alcançou seu impressionante realismo por conta das mais avançadas técnicas de animação digital. Melhor resultado, dentro desse espírito de releitura, alcançou Aladdin, com Will Smith encarnando o gênio da lâmpada empacotado por efeitos visuais (na foto). Dumbo também seguiu essa proposta e ainda acrescentou elementos originais na narrativa do elefantinho voador.

Personagem do ano

A recepção calorosa e o Leão de Ouro conquistados no Festival de Veneza anteciparam que o filme solo do vilão da DC Comics, eterno coadjuvante do Batman, era vinho de outra pipa no universo dos super-heróis no cinema. Coringa faturou US$ 1 bilhão e, com seu custo de US$ 55 milhões, consagrou-se como o filme desse universo com melhor relação custo-benefício da história. Levado por uma grande atuação de Joaquin Phoenix, o vingativo Coringa acabou também no centro de discussões em todo o mundo, em campos que transitam da política à psicanálise: é agente ou vítima da violência, simboliza o pensamento bélico da direita ou representa o espírito libertário da esquerda?

Fera do Sertão

Chancelado pelo Prêmio da Crítica no Festival de Cannes, Bacurau voltou ao polarizado Brasil para temperar o debate político com uma trama fantástica em torno do eterno embate entre o opressor e o oprimido, o moderno e o arcaico - e também entre primeiro e terceiro mundos. Transitando da ficção científica ao faroeste, sob a inspiração de John Carpenter, Sergio Leone e Glauber Rocha, os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles emolduram num lugarejo perdido do Sertão uma trama, ao mesmo tempo, universal e bastante particular na sua leitura do Brasil profundo, do qual emerge o cangaceiro Lunga (Silvero Pereira) para cortar cabeças de invasores. Bacurau levou mais de 732 mil espectadores aos cinemas do país.

Impasse na produção nacional

O setor audiovisual brasileiro navega em águas turbulentas. Dos impasses relacionados às politicas de fomento às indefinições gerenciais, a área ferve junto com toda a política cultural no caldeirão da nova Secretaria da Cultura, subpasta que surgiu ligada ao Ministério da Cidadania e hoje responde ao Ministério do Turismo. Discussões sobre que tipo de produção deve receber incentivo estatal repercutiram no Festival de Gramado, em agosto (foto). Protestos contra as novas diretrizes do governo foram engrossados após a suspensão de um edital voltado a produções com foco na diversidade sexual, após crítica do presidente Jair Bolsonaro.

MARCELO PERRONE

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