sábado, 14 de dezembro de 2019



14 DE DEZEMBRO DE 2019
MARTHA MEDEIROS

Monteiro e Machado

Se seu nome é Samuel, já deve ter sido chamado de Manoel algumas vezes. As Marinas devem estar acostumadas a serem confundidas com Marílias. Se você é Rodrigo, já não atendeu por Renato? Alguns avoados não conhecem você direito e deduzem seu nome pelas iniciais ou pela rima. Caso houvesse intimidade, seria diferente: eles poderiam chamá-lo até pelo nome do cachorro da família ou pelo nome do seu irmão - eu, por exemplo, já fui chamada muitas vezes de Fernando pela minha mãe, e por incrível que pareça, os pesquisadores creditam essa falha ao amor, nada menos que ao amor.

Quanto mais profundo o envolvimento, maior a chance de atrapalhações. Depois de 21 anos de um casamento feliz, veio o divórcio e um novo namorado: como não chamá-lo pelo nome do falecido? Cometi essa gafe algumas vezes durante o início do namoro e agradecia a paciência do novo ocupante do cargo, que não achava nada daquilo engraçado, mas segurou a onda até eu regular o chip do meu cérebro. Assim como, anos mais tarde, em outra relação, não dei chilique quando fui chamada de Ana Cristina duas vezes no mesmo dia - ela deveria ser muito especial, tão especial quanto eu era para o desatento.

Se você achava que eu via o mundo com lentes cor-de-rosa, agora tem certeza. Acredito mesmo que trocar o nome de pessoas com quem convivemos não é descaso, e sim uma homenagem inconsciente. Lógico que a troca de nomes durante o sexo não se aplica à tese, melhor prestar atenção no que você anda sussurrando entre lençóis. Mas se o seu amor foi até a cozinha e você gritou, "Artur, por favor, quando vier traz um copo d?água!", o Augusto não precisa ficar chateado - que traga a água com sua gentileza habitual, sem adicionar veneno de rato ao copo.

Cresci lendo as histórias de Narizinho, Pedrinho, Emília e grande elenco do Sítio do Pica-pau Amarelo, então posso considerar Monteiro Lobato praticamente uma pessoa da casa. Trocar seu nome por Machado de Assis, como fiz na última semana, nada mais foi do que uma transferência desse afeto, já que ambos moram no meu coração (ok, tem também o fato de estarmos em dezembro, muita festa, confraternização, espumante...). 

O problema foi que a troca não se deu durante uma conversa oral, quando é comum algum tropeço: cometi o erro por escrito. ESCREVI Machado de Assis querendo escrever Monteiro Lobato. Eu revisei a droga do texto umas 500 vezes e não percebi, editores do jornal também não. Resultado: o mico foi documentado na imprensa pra quem quisesse pegar no meu pé, e pegaram. Só deu pra consertar nas publicações online. Parafraseando Quintana, "um erro impresso é um erro eterno" (terá sido mesmo o Quintana?).

Resolução de fim de ano: mais atenção ao citar fontes, rir das próprias gafes e, claro, parar de beber.

MARTHA MEDEIROS

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