quarta-feira, 8 de julho de 2015



08 de julho de 2015 | N° 18218 
PEDRO GONZAGA

ZILINHA

Enquanto escrevo esta linha, minha avó, aqui ao meu lado, estende um casaquinho que ela acaba de costurar, fazendo sumir dois furos do tamanho de marcas de cigarro em uma das mangas, como se não fossem agora mais que leves relevos no tecido. Nem a visão imperfeita, nem a artrite consumiram sua incrível habilidade para a costura.

Esta é a Zilinha. É provável que vocês não a conheçam, mas, se passam com alguma frequência pela Felipe Camarão, por volta do meio-dia, podem vê-la, caminhando devagar mas resoluta, por vezes sozinha, por vezes na companhia da Dona Rucy, em direção ao bufê a quilo quase na esquina da Osvaldo Aranha. Minha avó gosta dos doces que servem por lá.

Enquanto escrevo esta linha, ela me diz que hoje as pessoas jogam tudo fora. É verdade, vó, eu também jogo, digo, um pouco desconfortável com o conforto que me cerca e de que tanto reclamo nas horas vadias das redes sociais.

Reclamar é da espécie. Mais do que o homo sapiens, somos o homo reclamans. Mas reclamar de barriga cheia é feio. Nunca vi minha avó, a uma semana de seus 89 anos, reclamar de nada.

Sua capacidade de reaproveitar as coisas. Gordos desde muito cedo, meu irmão e eu contávamos, a cada seis meses, com umas faixas de tecido que a vó costurava às laterais das bermudas. Ao olhar para minhas coxas ainda agora fartas, sinto saudades daquela folga.

A Zilinha mitava nas fantasias de Carnaval dos nossos bailes de criança na SACC. Por falar nisso, sendo eu o mais velho, escolhia sempre a melhor para mim, convencendo-a, sem que ela percebesse, a coser para meu irmão um traje ridículo. Para mim o pirata, com sabre e tapa-olho, para meu irmão o palhaço, com direito a peruquinha de cabelos verdes. Para mim o Space Ghost, com seu capuz e o bracelete de utilidades, para ele o macaquinho coadjuvante da série, com uma sunga que tinha um rabo que descia até ao chão. A maldade de direito dos irmãos mais velhos: há quanto tempo...

Enquanto escrevo esta linha, minha avó pergunta se tenho algum botão a pregar.

Está tudo certo, vozinha. Por ora, está tudo certo.

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