19 de julho de 2015 | N° 18231
CARPINEJAR
Mexendo nas feridas
Demoro a me recuperar dos tombos. Não aguento o período de
recuperação.
Sempre mexo nas cascas dos machucados. Nunca a minha pele
teve a chance de se regenerar naturalmente. Passo do limite, começo retirando
as bordas secas e invado o úmido da purgação.
Jamais me controlo, desde a infância.
Na escola, cutucava o pisado debaixo da classe. Ao apressar
o seu fim, retomava o seu início. Não me movia pela curiosidade infantil e biológica
de entender o processo, e sim para me livrar do incômodo. Óbvio que a calça do
uniforme vivia manchada de sangue. Eu mesmo encontrava um jeito de me ferir e
ampliar a data de validade da ferida.
Esfolar o joelho representava meses de recuperação. Transformava
a expectativa convencional de uma semana em longo martírio de coceira.
Minhas pernas estão depiladas involuntariamente nas canelas.
De tanto mexer nas batidas, criei cicatrizes onde não deveria constar nenhum
sinal.
Acentuava a gravidade dos escorregões e encontrões do
futebol.
Quem me dera se a minha impaciência estivesse reduzida à epiderme
dos costumes.
Infelizmente, carreguei a mesma ânsia para dentro de namoros
e de casamentos. Não percebia que as piores ofensas acabavam por aparecer no
meio da briga (as que desencadeavam a discussão eram simbólicas, de menor
gravidade).
Quando surgia uma insatisfação, não deixava esfriar. Não
aceitava que cada um se aquietasse em sua solidão para sarar o ruído com silêncio
e pensamento.
Não há como evitar acidentes e quedas na vida a dois, mas não
realizava o simples curativo perante um revés: limpar a zona infeccionada das
palavras, cobrir o assunto por dois dias e aguardar a melhora.
Já coçava com as unhas compridas. Já cavoucava a chaga. Já pretendia
resolver na hora. Já pressionava a minha companhia a tomar uma decisão, a
explicar seu posicionamento, a emitir uma sentença.
De algo muito tolo (uma piada no contexto errado, uma frase
torta, um descontentamento com um gesto), convertia em tudo ou nada, naquele
extremismo de exigir desculpa ou terminar a relação.
Não admitia a existência breve de uma pequena ferida. Não
guardava as mãos. Não saía de perto.
Fixava-me no desentendimento a ponto de ampliá-lo em impasse.
O que é físico é também emocional.
Assim como no corpo, um ferimento na pele do orgulho, diante
da insistência de insultos e acusações, pode dar origem a uma lesão crônica,
que persistirá durante anos.
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