sábado, 11 de julho de 2015



11 de julho de 2015 | N° 18223 
DAVID COIMBRA

Da escola para casa

O menino Denner levou uma facada no coração quando ia da escola para casa, em Porto Alegre.

Da escola para casa.

Em vez de pensar que ele ia da escola para casa, penso: será que ele ganhou esse nome em homenagem ao Denner que jogou no Grêmio nos anos 1990? Bem provável.

Denner foi um dos grandes craques do futebol brasileiro em todos os tempos. Jogava macio. É dele uma frase linda, linda, para quem gosta do jogo:

“Às vezes, um drible é mais bonito do que um gol”.

Sabe que também acho? O drible é a maior expressão de superioridade no futebol. Porque é um jogador enganando o outro, deixando o outro para trás, ludibriando o outro.

Denner só não foi um Ronaldinho porque morreu cedo. Não de facada no coração, de acidente de carro.

O Denner que levou a facada no coração não vai morrer disso. Ele já está se recuperando, vai se restabelecer logo. Mas provavelmente lhe restarão uma cicatriz no peito e outra na alma. Imagine, ele estava saindo da escola e indo para casa. Não estava dentro de um carro em alta velocidade, como o Denner jogador de futebol. Não estava numa festa. Não estava brigando com ninguém. Não estava nem passeando por aí. Estava apenas indo da escola para casa.

Da escola para casa.

Mas, em vez de continuar pensando nisso, prefiro lembrar que houve outro Dener famoso no Brasil. Um costureiro dos anos 1960 e 1970. Ele se consagrou quando fez vestidos para a Maria Thereza Goulart, mulher do então presidente Jango, que, diziam, era a primeira-dama mais linda do mundo, mais linda até do que Jackie Kennedy.

Aquele Dener tinha só um ene no nome. Seu grande rival no terreno da moda foi Clodovil. No terreno do amor, Roberto Carlos. Uma das ex-mulheres de Dener teve um caso com Roberto. Havia suspeitas de que um dos filhos de Dener era, na verdade, de Roberto. Conta-se que Dener, no leito de morte, perguntou para a mulher se o filho era dele. Se não era, espero que ela tenha mentido.

Dener não morreu de morte violenta, como o jogador de futebol. Nem levou facada no coração, como o menino de Porto Alegre. Dener morreu devido ao alcoolismo.

Eu, quando fiquei sabendo que o menino Denner levou uma facada no coração indo da escola para casa, tive vontade de beber como bebia o Dener de um único ene. Obviamente, porque queria esquecer. Quero ainda. Cada vez que falo nisso, que ele ia da escola para casa, tento pensar em outra coisa, em velhas histórias de personagens dos anos 1970, em craques do passado, num Brasil que não existe mais, qualquer outro pensamento, menos o de que, na minha cidade, um menino, indo da escola para casa, pode levar uma facada no coração porque outra pessoa quer seu celular.

Você entende o que isso significa? Você entende por que não consigo me concentrar no assunto? Você entende que, na minha cidade, um menino não pode ir em paz da escola para casa? Da escola para casa. Pense, que eu não penso mais: da escola para casa.

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