sábado, 11 de julho de 2015



11 de julho de 2015 | N° 18223 
CLAUDIA LAITANO

Proibidões

Duas belas canções tornam-se terríveis quando levadas ao pé da letra: Se Todos Fossem Iguais a Você, de Tom e Vinícius, e Every Breath You Take, do The Police. Por licença poética, permitimos que Tom e Vinícius imaginem um mundo composto por infinitas versões clonadas da mesma musa e que Sting sonhe em rastrear cada suspiro da mulher amada, mas o que à primeira vista pode parecer romântico torna-se o próprio retrato do inferno se você parar para pensar.

Nos últimos dias, duas notícias nos lembram que na arte, como no amor, qualquer tentativa de controle ou padronização, mesmo bem-intencionada, pode ser fatal. No Rio, um juiz rejeitou denúncia apresentada pelo Ministério Público contra um rapaz preso por PMs, na comunidade Chapéu Mangueira, por estar escutando uma seleção de funks “proibidões” com os amigos na rua. 

As músicas, que falam de brigas de traficantes e mortes de policiais, foram consideradas “apologia ao crime organizado”. Julgando o caso, o juiz Marcos Augusto Peixoto comparou os proibidões de agora às músicas de Chico Buarque censuradas durante a época da ditadura. “Sem dúvida alguma, os proibidões são uma forma de arte. Trata-se de expressão cultural, que deve ser respeitada e debatida, gostemos ou não”, disse o juiz em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Enquanto isso, em Brasília, a deputada federal Moema Gramacho (PT-BA) apresentava na Câmara dos Deputados um projeto de lei “antibaixaria”, proibindo empresas estatais de patrocinarem artistas que desvalorizam mulheres, incentivam a violência, a homofobia, o racismo ou o uso de drogas. (Em tempo: letras que rimam amor e dor estão liberadas, o que deve poupar de exames mais detalhados cerca de 98% das músicas que lideram as paradas no país atualmente.)

Tanto a polícia do Rio quanto a deputada da Bahia têm motivos de sobra para se incomodar com músicas que, de alguma forma, celebram a violência, o sexismo, o preconceito. A liberdade nunca vem sem riscos, mas o controle é pior. A única circunstância em que a arte oferece pouco ou nenhum risco é quando é controlada por um escritório central de regulação do bom gosto e do respeito aos bons costumes – modelo já fartamente testado em ditaduras de todos os tipos.

Proibir o proibidão atenta contra a liberdade de expressão e é uma porta aberta para a censura – assim como a famigerada autorização prévia das biografias. Criar uma lei que regule patrocínios, por sua vez, é um contrassenso, uma vez que nenhum financiamento, público ou privado, é autorizado sem antes passar por alguma espécie de filtro, tanto por parte dos órgãos públicos quanto por parte das empresas que decidem associar sua marca a um determinado produto cultural.


Não, ninguém quer viver em um mundo em que todas as pessoas são iguais e cada respiração é controlada de perto – nem em um país em que todas as obras de arte, boas ou ruins, são submetidas aos gostos e humores de um burocrata.

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