sábado, 11 de julho de 2015



12 de julho de 2015 | N° 18224
MOISÉS MENDES

O jornalismo incomoda


O documentarista Eduardo Coutinho via seus filmes prontos e frustrava-se por não poder repetir algumas cenas. Lastimava-se especialmente pelas perguntas feitas na hora errada. O diretor perfeccionista dos grandes documentários brasileiros percebia que muitas vezes interrompera depoimentos para inserir indagações que apenas tiravam o ritmo de quem estava falando.

O perguntador do jornalismo diário não é o mesmo de documentários. Há jornalismo no cinema de conversas sem pressa de Coutinho, mas não como numa entrevista conduzida na urgência do dia, ou da hora, em que o que mais se tenta é acertar o momento de perguntar.

Mesmo assim, o drama de Coutinho é também o de todo repórter, com a diferença de que ele podia deixar alguém falar por 15 minutos sem parar. Um repórter, não. Um repórter tem que fazer o que minha colega Rosane de Oliveira faz com maestria.

Um repórter não é um inquisidor. Repórter só deve ser percebido como protagonista de uma entrevista se fizer as perguntas que o ouvinte, o telespectador e o leitor gostariam de ter feito. Repórter não pode, nunca, brilhar mais do que o entrevistado.

Pois Rosane fez perguntas certas, no contrapé de uma tomada de ar do senador José Serra, no programa Gaúcha Atualidade da última quinta-feira. Mas Serra dedicou-se, no final da entrevista a Daniel Scola e a Rosane, a dizer que ouvia perguntas erradas e contaminadas.

– O que você está dizendo é um papo de um par de petistas – disse Serra a Rosane.

A jornalista havia perguntado, a partir de manifestações dos ouvintes (que cada vez mais contribuem para que se faça rádio, jornal e TV, em todas as plataformas), sobre o mensalão tucano e os escândalos dos trens superfaturados do metrô de São Paulo. Serra disse que não há mensalão nem corrupção no metrô. Assim:

– Rosane, não vem com essa.

Foi além e desqualificou as perguntas. Não bastava tentar desmontar – o velho truque dos políticos – as questões incômodas. Rosane seria, no entendimento de Serra, emissária de interrogações do PT (e gente do PT também vive dizendo que jornalistas são emissários do PSDB).

Eu ainda tento ser emissário do jornalismo e vou responder o que o senador deixou sem resposta, apesar da insistência de Rosane. O mensalão tucano existiu e tem um réu famoso, o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo.

Azeredo renunciou ao mandato de deputado federal, em 19 de fevereiro do ano passado, para escapar do julgamento no Supremo e empurrar o caso para a Justiça comum de Minas. Conseguiu o conforto que procurava. O processo ficou hibernando em uma gaveta (por falta de juiz!) por meses e está sob ameaça de prescrição.

O escândalo do metrô paulista também existiu. Serra disse que “um ou outro foi pego”. Foram pegos 33, todos indiciados, entre executivos de multinacionais e dirigentes tucanos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. Oito processos correm em ritmo de trem-lesma em São Paulo.

As denúncias informam que grandes grupos (Siemens, Alstom, Bombardier, Mitsui e outros) formaram um cartel e superfaturaram contratos, de 1998 a 2008, em governos do PSDB, entre os quais um de Serra. Tudo confessado por delatores pagadores de propinas. Os governos tucanos, como no caso dos governos petistas na Petrobras, não sabiam de nada.

Eduardo Coutinho morreu no ano passado. Se estivesse vivo, diria que Rosane agiu como deveria. Talvez dissesse também que o maior incômodo para certos respondedores não é a pergunta, mas quem se atreve a fazê-la na hora certa.

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