12 de julho de 2015 | N° 18224
MOISÉS MENDES
O jornalismo incomoda
MOISÉS MENDES
O jornalismo incomoda
O documentarista Eduardo Coutinho via seus filmes prontos e
frustrava-se por não poder repetir algumas cenas. Lastimava-se especialmente
pelas perguntas feitas na hora errada. O diretor perfeccionista dos grandes
documentários brasileiros percebia que muitas vezes interrompera depoimentos
para inserir indagações que apenas tiravam o ritmo de quem estava falando.
O perguntador do jornalismo diário não é o mesmo de
documentários. Há jornalismo no cinema de conversas sem pressa de Coutinho, mas
não como numa entrevista conduzida na urgência do dia, ou da hora, em que o que
mais se tenta é acertar o momento de perguntar.
Mesmo assim, o drama de Coutinho é também o de todo
repórter, com a diferença de que ele podia deixar alguém falar por 15 minutos
sem parar. Um repórter, não. Um repórter tem que fazer o que minha colega
Rosane de Oliveira faz com maestria.
Um repórter não é um inquisidor. Repórter só deve ser
percebido como protagonista de uma entrevista se fizer as perguntas que o
ouvinte, o telespectador e o leitor gostariam de ter feito. Repórter não pode,
nunca, brilhar mais do que o entrevistado.
Pois Rosane fez perguntas certas, no contrapé de uma tomada
de ar do senador José Serra, no programa Gaúcha Atualidade da última
quinta-feira. Mas Serra dedicou-se, no final da entrevista a Daniel Scola e a
Rosane, a dizer que ouvia perguntas erradas e contaminadas.
– O que você está dizendo é um papo de um par de petistas –
disse Serra a Rosane.
A jornalista havia perguntado, a partir de manifestações dos
ouvintes (que cada vez mais contribuem para que se faça rádio, jornal e TV, em
todas as plataformas), sobre o mensalão tucano e os escândalos dos trens
superfaturados do metrô de São Paulo. Serra disse que não há mensalão nem
corrupção no metrô. Assim:
– Rosane, não vem com essa.
Foi além e desqualificou as perguntas. Não bastava tentar
desmontar – o velho truque dos políticos – as questões incômodas. Rosane seria,
no entendimento de Serra, emissária de interrogações do PT (e gente do PT
também vive dizendo que jornalistas são emissários do PSDB).
Eu ainda tento ser emissário do jornalismo e vou responder o
que o senador deixou sem resposta, apesar da insistência de Rosane. O mensalão
tucano existiu e tem um réu famoso, o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo.
Azeredo renunciou ao mandato de deputado federal, em 19 de
fevereiro do ano passado, para escapar do julgamento no Supremo e empurrar o
caso para a Justiça comum de Minas. Conseguiu o conforto que procurava. O
processo ficou hibernando em uma gaveta (por falta de juiz!) por meses e está
sob ameaça de prescrição.
O escândalo do metrô paulista também existiu. Serra disse
que “um ou outro foi pego”. Foram pegos 33, todos indiciados, entre executivos
de multinacionais e dirigentes tucanos da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos. Oito processos correm em ritmo de trem-lesma em São Paulo.
As denúncias informam que grandes grupos (Siemens, Alstom,
Bombardier, Mitsui e outros) formaram um cartel e superfaturaram contratos, de
1998 a 2008, em governos do PSDB, entre os quais um de Serra. Tudo confessado
por delatores pagadores de propinas. Os governos tucanos, como no caso dos
governos petistas na Petrobras, não sabiam de nada.
Eduardo Coutinho morreu no ano passado. Se estivesse vivo,
diria que Rosane agiu como deveria. Talvez dissesse também que o maior incômodo
para certos respondedores não é a pergunta, mas quem se atreve a fazê-la na
hora certa.
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