MAURICIO STYCER
No país das novelas
Mesmo com 16 folhetins à disposição, o espectador nunca viu um momento tão pobre na teledramaturgia
A grande novidade na televisão brasileira nesta semana é a estreia, na segunda-feira (27), de três reprises de novelas –duas na Record ("Dona Xepa" e "Prova de Amor") e uma na Globo ("Caminho das Índias").
O espectador fã do gênero passa a contar, assim, com 16 novelas por dia na grade da TV aberta –talvez um recorde brasileiro. A Globo lidera o ranking com sete produções (incluindo "Malhação", no ar há 20 anos).
O SBT vem em segundo lugar, com cinco novelas –uma delas, a mexicana "A Usurpadora", está sendo exibida pela sexta vez. A Record com três e a Band com uma completam o rol.
Quantidade, naturalmente, não é sinônimo de qualidade no país das novelas. Ao contrário, tenho a impressão de que há muito tempo não se vive um momento tão pobre na teledramaturgia brasileira.
Com o fim de "Sete Vidas", em 10 de julho, a paisagem se tornou ainda mais desoladora. Para além dos clichês e truques obrigatórios, a novela de Lícia Manzo conseguia manter o espectador em permanente estado de atenção por conta de seus diálogos densos.
Fundada muito mais em conversas do que em ação, a história teve o mérito de apresentar personagens de carne e osso, confusos, contraditórios e hesitantes em suas relações pessoais e profissionais.
É sintomático que "Sete Vidas" tenha sido substituída por um dramalhão clássico. "Além do Tempo" é uma novela de época de linhagem espírita. Encerrada a primeira fase, que se passa no século 19, os personagens do passado viverão uma nova vida nos dias atuais.
Apesar da produção impecável e do bom elenco (com destaque para Irene Ravache), não vi até agora uma situação surpreendente, um diálogo inesperado ou algum tipo mais complexo na história de Elizabeth Jhin. Muito pelo contrário. Tudo tem gosto de déjà-vu.
Aliás, pensando em todas as novelas a que assisto com alguma regularidade, só consigo me lembrar de duas personagens que fogem ao padrão binário hoje dominante (bom ou mau, herói ou vilão, todos retos e sem dúvidas).
Estou falando de um universo que inclui as quatro produções originais da Globo ("Além do Tempo", "I Love Paraisópolis", "Babilônia" e "Verdades Secretas"), a da Record ("Os Dez Mandamentos") e a infantil do SBT ("Chiquititas").
Giovanna (Agatha Moreira) e Arlete/Angel (Camila Queiroz), duas adolescentes, se destacam em meio a uma história escrita quase sempre com mão pesada por Walcyr Carrasco. Uma rica, a outra de origem humilde, elas oferecem uma visão muito diferente do universo adolescente habitualmente descrito pela TV no Brasil.
Cada uma à sua maneira, ambas são inteligentes, mas perdidas, confusas e inconsequentes em seus atos. Consomem drogas, bebem, fazem sexo por prazer e por dinheiro. Estou simplificando, mas quem vê a novela já deve ter se dado conta de que as duas são personagens complexas, que provocam e fazem o espectador pensar.
Os idiotas da objetividade dirão que isso só é possível porque "Verdades Secretas" é exibida por volta das 23h. A questão é outra. É possível fugir da obviedade e da simplificação barata em qualquer horário, com qualquer tema.
O atual rebaixamento no padrão, acho, se dá por dois motivos. Enquanto parte da audiência fugiu em busca de produtos mais qualificados, as emissoras parecem não confiar na capacidade de compreensão do público que ficou.
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