WALCYR CARRASCO
21/07/2015 - 08h00 - Atualizado 21/07/2015 08h00
Um mundo descartável
Hoje em dia, nem mesmo as ideias duram. Ideologias passam tão rápido como tendências de roupa
Eu tenho um amigo, Remo, há 30 anos. Não nos vemos o tempo todo, mas sempre sabemos um do outro. Como ele, tenho outros amigos duradouros: Ricardo, há mais de 20, Raul, Eduardo, Pérsio, desde os 15. Luiz e Antônio Carlos, de infância. Dia destes, Remo comentou:
– Já notou como hoje tudo é rápido, descartável? Mesmo amigos surgem em nossas vidas, a gente vê todos os dias durante um certo tempo. E, de repente, desaparecem, tomam outros rumos. Quando a gente se encontra, é aquela alegria. Prometemos nos ver de novo, mas fica por isso mesmo. Ambos sabemos que não vai acontecer.
Concordei. Amigos novos são pessoas que entram e saem de minha vida, rapidamente. Eu culpava minha profissão. Durante uma peça de teatro ou novela, há um contato forte entre autor, atores, diretor e produção. Quando acaba, cada um vai para seu lado. Descobri que o mesmo acontece com muita gente. Amizades duradouras são raras. As pessoas simplesmente passam pelas vidas das outras.
Eu não acho certo ou errado. Mas antes não era assim.
Quando eu era jovem, as novelas tinham pares românticos, estrelas inquestionáveis: Regina Duarte e Francisco Cuoco, Glória Menezes e Tarcísio Meira. Da mesma forma, os astros e estrelas de Hollywood estavam firmemente assentados sobre seus pedestais. Hoje, não. Alguém explode e, depois de um tempo, nem lembramos mais. Qual a última estrela de Hollywood que realmente ficou na minha vida? Vale para tudo. Lembro de Marion Zimmer Bradley com os livros da série As brumas de Avalon. Foi uma comoção mundial. Hoje, poucos lembram.
Daqui a pouco vão esquecer Harry Potter. Estou lendo O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura. Fala de Ramon Mercader, assassino de Trótski. Ixi, seria longo explicar agora quem foi Trótski e como ele se opôs a Stálin, na aurora do comunismo russo. Indico o Google. Mas o que me surpreende no livro, excelente por sinal, é que fala de pessoas que acreditavam em ideias. Havia os marxistas, entre eles divisões.
Os monarquistas. Enfim, uma pluralidade de pensamentos. Mas mesmo aqui no Brasil, onde as ideias frequentemente andaram em areias movediças, a gente sabia quem era quem. Hoje em dia, nem mesmo as ideias duram. Ideologias passam tão rápido como as tendências de roupa. Diante do panorama político brasileiro, me pergunto:
– Quem seria capaz de morrer por uma ideia?
Posso estar errado, mas não vejo ninguém.
Amanhã vem uma nova tendência em regime para emagrecer. Depois um novo autor, que todo mundo lê e depois esquece. Um político assume uma postura que aplaudimos. Dali a pouco, esquecemos, ou ele se faz esquecer, mudando rapidamente de partido ou se envolvendo em escândalos. Casamentos são rápidos, graças às leis do divórcio. Alguns amigos continuam de esquerda radical. Outro dia comentei: – Você está fora de moda.
E, de repente, me critiquei. Forma de pensar agora é moda? Também deixei esse tempo de coisas efêmeras me envolver. Corto o cabelo na moda, compro roupas da estação, quero estar por dentro de cada tendência. Mas não sou completamente viciado em modismos, ainda bem. Prova disso é o susto que levo cada vez que alguém some, tragado por outros rumos de vida. Telefono, convido, quero ver. O ex-novo amigo marca. No dia, avisa:
– Surgiu um compromisso de última hora, desculpe.
Mas não remarca. Deixa para depois. Agora, já entendo o recado. Simplesmente, não há mais lugar para mim na vida que ele está tendo, repleta de novos compromissos e pessoas. Muitos amigos somem, não adianta insistir. Não são pessoas melhores ou piores, simplesmente o mundo tem muitas possibilidades, a vida deles é diferente, ou mais fácil, eu gosto das madrugadas e eles trabalham de dia. Não sobra tempo para mim.
Ficam os que sempre ficaram.
É um mundo onde, eu sinto, tornou-se difícil estabelecer novas relações com continuidade. Em que as coisas não duram. O destino turístico que é moda hoje será o mico de amanhã. Ninguém parece acreditar em nada, a não ser em si mesmo, seus próprios gostos, desejos pessoais.
Como autor, até consigo encarar a vida nessa velocidade. Como pessoa, sinto necessidade de raízes. Ainda bem que tenho esses amigos de tantos anos, mas relações tão longas não serão fora de moda, tão antigas quanto a máquina de escrever?
Às vezes eu me sinto um dinossauro. Fico curioso, como será o mundo que vai acontecer? Tão volátil? Sem dúvida, também será incrivelmente solitário.
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