31 de julho de 2015 | N° 18243
DAVID COIMBRA
Uma conversa com Jorge Furtado
“Pesada é a pedra, pesada é a areia,
Mais pesada ainda é a cólera do tolo.”
Isso é sabedoria antiga, velha de 20 séculos. Arranquei o poema do Livro dos Provérbios, que a ficção hebraica atribui a Salomão, mas que, na verdade, é uma compilação de pequenos textos de uma miríade de autores, muitos deles egípcios ou de outras extintas nações orientais.
Realmente, a cólera, em si, já é pesada; a cólera do tolo é insuportável.
O Brasil, hoje, vive em meio a cóleras. A dos tolos você precisa ignorar, ou ela o amassará com seu peso. A dos sábios pode ser suportada, porque é mais leve.
Travei ontem uma conversa eletrônica com um brasileiro que julgo sábio, o cineasta Jorge Furtado. Falamos, exatamente, sobre a cólera que faz rugir o país, nestes dias tormentosos. As pessoas tomaram suas posições, assumiram os seus lados e não saem mais de trás das suas trincheiras. É pena, porque o debate faz evoluir.
Não concordo com todas as opiniões do Jorge Furtado, ele não concorda com todas as minhas, mas tivemos uma conversa saudável. Natural: ele não é um tolo. O desagradável, no inviável debate com os tolos, é que eles partem de pressupostos: como você não está no “time” deles, você não está errado: você é desonesto. Isso é muito rasteiro. E muito cansativo.
Vou entrar no conteúdo: não gosto do governo do PT; o Jorge Furtado, o Luis Fernando Verissimo e o Moisés Mendes gostam. Temos opiniões diferentes, mas, ainda assim, admiro os três e os respeito. Não espero admiração de nenhum deles. Respeito, sim. Porque minhas críticas ao governo do PT não são feitas porque defendo “as elites”, porque meus patrões assim o exigem, porque me vendi para o sistema ou porque apoio um golpe para derrubar o governo eleito. Não. As críticas que faço são produto de minhas reflexões, de minhas ideias e de minhas crenças. Se são tolices, são tolices honestas.
Agora: se sou tolo, não sou um tolo colérico. A cólera dos tolos (e dos sábios) brasileiros levou o país a raciocínios superficiais, do tipo:
Bolsonaro é contra o governo do PT; logo, quem é contra o governo do PT é a favor do Bolsonaro.
Não gosto das opiniões e das atitudes de Bolsonaro. E também não gosto do governo do PT. Não porque o governo é do PT, partido no qual outrora votei; porque é um governo ruim. Todas as supostas conquistas econômicas do PT, todos os índices positivos de hoje poderiam ser apresentados ontem pelo governo militar. Pegue o Brasil de 1964 e compare com o de 1985: o Brasil terá melhorado em quase tudo. Como o de 2002 comparado ao de 2015.
Mas nem num período, nem no outro, houve melhora estrutural que pudesse construir uma nação de verdade. Você não faz uma nação de verdade permitindo ao trabalhador que compre um automóvel; você faz permitindo que o filho dele tenha uma educação de qualidade, tão boa que ele possa competir com o filho do rico para entrar numa universidade. Você não faz uma nação de verdade dando ao operário condições de ele viajar de avião; você faz ao dar a ele condições de passear à noite em sua própria cidade, sem medo de ser assassinado.
O PT podia ter feito isso. Tinha prestígio, força e condições econômicas para fazê-lo. Não fez. Essa é minha crítica, amarga crítica ao PT. O que não me ombreia com Bolsonaro, Cunha, Feliciano e tucanos em geral, o que não me torna golpista, o que não é fruto de interesses. Entendo que sábios eventualmente não concordem comigo. Não aceito que eles não entendam que a minha tolice cabe apenas a mim.
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