sábado, 25 de julho de 2015



26 de julho de 2015 | N° 18238 
MOISÉS MENDES

Só falta um rei



Vivemos tempos de logros diversos. O árbitro do futebol talvez esteja comprado. A Fórmula-1 é uma encenação e pode ser adquirida por investidores chineses. O futebol é gerido por uma máfia e seus membros só correm o risco de prisão na Suíça. O leite é adulterado. A velocidade da sua internet não é a que foi contratada. Em quem, afinal, você confia?

Não há confiança de consenso nem mesmo em torno da Operação Lava-Jato. Desconfiam da Polícia Federal, que desconfia do Ministério Público. Quem confia no juiz Sergio Moro? Petistas não confiam. Tucanos confiam demais.

Quem passou a confiar no Tribunal de Contas da União, como instituição capaz de apontar delitos graves no comportamento do Tesouro? Por que as tais pedaladas eram prática de governo por tanto tempo, mas só agora se fala delas?

Por que o TCU virou protagonista da política? Você acredita que o TCU é um órgão técnico que repentinamente decidiu fazer seu marketing como guardião independente da moralidade? E, no Tribunal Superior Eleitoral, você confia? O Tribunal poderá determinar que as contas da campanha de Dilma Rousseff são irregulares, se acolher recurso do PSDB. E você confia nas contas do PSDB? Acha que o TSE pode ser isento e determinar a cassação de Dilma?

E, na Polícia Federal, no MP e na Justiça, você confia? Você acha que os delegados que insultavam o PT, Lula e Dilma pelas redes sociais – e ao mesmo tempo trabalhavam na Lava- Jato e exaltavam Aécio – podem conduzir o caso até o fim?

Você é dos que desconfiam que os procuradores do caso são tucanos? E que o juiz Moro irá restringir suas ações ao período do governo petista e a personagens ligados ao PT na Lava- Jato? Fora a torcida tucana dos policiais federais, mostrada em detalhes em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo após a eleição, nada há de concreto contra os procuradores e o juiz Moro. Mas há desconfianças. Por quê?

Porque há o medo da parcialidade, o sentimento que se manifestou depois do julgamento do mensalão pelo Supremo, quando a reparação que condenou a gangue petista não se reproduziu para a quadrilha tucana de Minas (com investigados, indiciados e denunciados até agora impunes).

Em 1996, o americano Francis Fukuyama tentou se redimir, depois do anúncio do fim da História – quando previu que os valores da democracia e do liberalismo ocidentais enfim prevaleceriam no mundo –, e publicou Confiança – As Virtudes Sociais e a Criação da Prosperidade (Editora Rocco).

O liberal Fukuyama sustenta, com exemplos, que uma sociedade prospera com um bom alicerce de confiança social construído ao longo do tempo, e não pela efetividade de normas e leis formais. É a coesão entre as pessoas que forma o capital social e suas normas não escritas. Quanto mais uma sociedade confia nela mesma e nas instituições, menos depende da imposição das leis. Americanos, alemães e japoneses seriam os melhores exemplos. É, como se dizia antigamente, livro de pegar e não largar.

Exageram os que consideram Fukuyama o Paulo Coelho da ciência política com lantejoulas de filosofia. É provável que estejamos precisando disso mesmo, enquanto desconfiamos dos que se ocupam das nossas instituições.

Francis Fukuyama pode nos ajudar a entender por que o TCU passou a ser tão poderoso, o TSE pode cassar a presidente e alguns defendem até a volta da monarquia. Era só o que faltava: um rei, bem corado, que nos distraia com as nossas desconfianças.

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